Escalar montanha era a diversão de pai e filho. Até que um dia a aventura se transforma em um verdadeiro desastre. Descubra o que aconteceu!
Redação | 2 de Maio de 2019 às 12:00
O parque nacional Frank Church-River of no Return é a maior reserva natural dos Estados Unidos, sem contar o Alasca. Fica no centro do estado de Idaho e cobre mais de 9.500 km². Entre as atrações mais espetaculares da região estão os Bighorn Crags, um grupo de montanhas de 3 mil metros de altura em meio a lagos cintilantes. Perto de um desses lagos, logo após o amanhecer de um dia claro de verão, Charlie Finlayson, de apenas 13 anos, está agachado dentro da barraca, preparando-se para fazer uma longa caminhada. Ele guarda uma garrafa de água e alguns petiscos na mochila, além de um saco de dormir, caso seja preciso pernoitar.
David Finlayson, de 52 anos, já explorou muitos lugares selvagens do mundo e escalou picos importantes do Alasca, da Europa e da América do Sul. Seu filho, Charlie, que mora com a mãe, é calmo e contemplativo, e o pai, volúvel e agitado. David chama o filho de “mestre zen” e “Charlie Boa-Praça”, e ambos são apaixonados pela natureza. Quando o menino chegou à 7 série, David o ensinou a escalar.
Em agosto de 2015, quando partiram para os Bighorn Crags, Charlie estava pronto para escaladas mais difíceis. Eles encheram as mochilas com suprimentos suficientes para duas semanas. Depois de viajar de carro por seis horas, caminharam por dois dias até o lago Ship Island. Na primeira semana, eles fizeram duas escaladas.
A aventura seguinte começou na segunda-feira. Por volta do meio-dia, David avançava por uma torre de granito, 240 metros acima do fundo do vale, buscando uma linha de rachaduras que os levasse ao topo. Charlie estava numa plataforma cerca de 12 metros à direita, preso a uma árvore por uma correia de segurança enquanto dava corda para o pai. David estendeu a mão e deslocou uma pedrinha, que caiu no vazio. No instante seguinte ele ouviu um estalo quando algo maior se soltou. Mal teve tempo de gritar antes que tudo escurecesse.
Quando viu o pai viajando pelo ar ao lado da imensa pedra que o atingiu, Charlie puxou a corda. Um instante depois o sistema de freio automático interrompeu a queda.
– Pai! – gritou ele. – Você está bem?
Não houve resposta.
David pendia 12 metros abaixo do filho, um escondido da visão do outro. Um minuto se passou antes que conseguisse gritar por Charlie perguntando se ele estava bem.
Debaixo do capacete amassado, a cabeça de David latejava. O braço e o pé esquerdos estavam feridos; o osso da canela saía pela pele, e pingava sangue nas pedras lá embaixo. Uma vértebra no alto das costas estava fraturada. A dor vinha de tantos lugares que ele quase desmaiou de novo.
– Acho que quebrei alguns ossos. – berrou.
– O que eu faço? – Charlie parecia em pânico.
– Consegue me baixar uns seis metros? Há uma plataforma ali.
Charlie foi dando corda. Quando chegou à plataforma, David pediu que o filho baixasse sua mochila, que continha um kit de primeiros socorros.
Com a mão direita, David passou pomada antisséptica na perna, cobriu-a com gaze e começou a enrolá-la com uma atadura. Ele se sentia separado do próprio corpo, como se este pertencesse a outra pessoa. Depois que cobriu o osso que projetava-se para fora, pediu que o menino descesse até ele. Quando o filho chegou, os dois enrolaram mais ataduras e apertaram a perna da melhor maneira possível.
Após uma descida extremamente sofrida para ambos, quando David e Charlie chegaram na base do penhasco, já estava anoitecendo. A temperatura despencara para uns 4° C. De bermuda e com uma jaqueta leve, David tremia de frio e exaustão.
O equipamento que os protegeria do frio estava na barraca a mais de um quilômetro e meio dali. Charlie partiu correndo, pegou os sacos de dormir e encheu uma mochila com roupas quentes e barras de cereais. Ao perceber que também precisariam de água, ele usou seu filtro com bomba para encher várias garrafas no lago. Quando voltou pelo campo pedregoso, a noite já caíra.
Depois de ajudar David a vestir calças compridas e uma parca, Charlie o fechou dentro do saco de dormir e apoiou a perna ferida numa pedra para diminuir o sangramento. O filho insistiu para que o pai comesse alguma coisa. Depois se enfiou em seu próprio saco.
Com medo de que David morresse caso dormisse, Charlie manteve a conversa; falaram de viagens passadas, das constelações no céu, do acidente. Por fim, Charlie acabou cochilando, dando uma olhada no pai toda vez que acordava.
Mas David estava com dor demais para dormir. Ele tentou se distrair contando a respiração. Mas respirar doía, então ele contou estrelas.
Havia a possibilidade de sobreviver, pensou ele. Também havia uma boa probabilidade de não sobreviver. E aí, o que aconteceria com o garoto?
Ele continuou contando.
Quando amanheceu, Charlie ficou aliviado ao ver que o pai estava atento e desperto. Os dois se aconchegaram nos sacos de dormir durante uma ou duas horas até o frio passar.
Depois de enrolar mais ataduras no curativo ensopado de sangue da perna de David, eles começaram a descer a encosta. David se arrastava centímetro a centímetro, deixando um rastro vermelho. Quando não conseguia manobrar entre as pedras, ele se içava sobre elas, subindo por um lado, deslizando pelo outro. Às vezes, perdia o controle, caía sobre um dos membros feridos e desmaiava de dor. Mas sempre acordava com a visão do rosto tenso de Charlie acima dele. “Estou bem”, dizia David, tentando sorrir. De vez em quando, o menino corria à frente, em busca de um caminho menos torturante, e depois voltava para guiá-lo.
Eles chegaram ao acampamento por volta das quatro da tarde. David mergulhou a perna no lago para lavá-la, e Charlie a cobriu com uma nova atadura.
Ao anoitecer, Charlie preparou o jantar no fogareiro a gás. Faminto, engoliu a comida, mas o pai estava enjoado demais para comer mais do que algumas garfadas.
– Charlie – disse David –, pela manhã você terá de buscar ajuda.
Ao se imaginar separado do pai por uma vasta região selvagem, Charlie caiu em lágrimas.
– E se eu nunca mais vir você?
– Desculpe, filho – disse David. – Não temos opção.
No dia seguinte, Charlie pôs a mochila nas costas e saiu pela trilha rumo à cabana dos voluntários a 20 quilômetros dali, decidido a trazer um helicóptero que levasse seu pai para um lugar seguro.
A princípio o caminho subia suavemente, mas Charlie sabia que ficaria mais íngreme e chegaria a mais de 2.800 metros de altitude antes de mergulhar em um vale e subir de novo.
Um quilômetro e meio adiante, a rota cruza uma trilha que vai para outro lago. Charlie segue as instruções do pai e pega o desvio, chamando alto quem estiver acampado ali. Mas, depois de algumas centenas de metros, ele para e calcula as probabilidades. É o meio da semana, quando quase não há visitantes. Se continuar e não encontrar ninguém, terá perdido uma hora. Então volta correndo para a trilha principal.
A caminhada de Charlie se torna mais cansativa à medida que a trilha sobe rumo ao desfiladeiro. Conforme o ritmo cardíaco se acelera, aumenta também seu nível de ansiedade. Imagens lhe passam pela cabeça: o pai se contorcendo de dor, os olhos revirados. Ele então se concentra no ritmo dos passos. Perto do marco de cinco quilômetros, o menino ouve vozes. Então sopra o apito e grita por ajuda.
Correndo pela trilha, o menino encontra dois homens altos, que vêm descendo: Jon Craig e o filho Jonathan, de 19 anos. Charlie engole o choro e descreve o que aconteceu. Ele lhes mostra o marcador do acampamento no GPS.
Os Craigs ponderam se é melhor descer e acompanhar Charlie ou subir para encontrar o pai do menino.
– Por favor, vão até ele – pede Charlie, insistente, mas calmo.
– Há três grupos acampados junto ao lago Airplane, no próximo vale – diz Jon a Charlie, mostrando a localização no mapa. – Eles podem ajudá-lo.
Os dois homens somem na trilha em direção a David.
Depois de subir até o desfiladeiro, Charlie pega a trilha do lago. Seu coração fica extremamente angustiado quando percebe que nenhum dos três grupos mencionados está mais lá.
Na trilha, Charlie ouve mais vozes a distância. Ele toca o apito e grita, as vozes respondem. Charlie segue o som e avança pelo caminho entre os pinheiros até outro lago a menos de um quilômetro. Lá, ele encontra um casal com três filhos e um amigo, Mike Burt. Ao perceber a urgência na voz de Charlie, Mike, ex-fuzileiro naval, se oferece para correr os quase 15 quilômetros até a cabana dos voluntários, onde seria possível pedir ajuda médica para David. Charlie o segue para se assegurar de que a ajuda realmente virá.
Em algum momento daquela noite, David Finlayson acorda em uma cama. Ele está no Hospital Saint Alphonsus, em Boise, onde os médicos imobilizaram seu braço e sua perna e estabilizaram a coluna com uma tala. Nos meses seguintes, ele fará várias cirurgias importantes, e finalmente será capaz de escalar de novo. Mas, nessa noite, sob a ação da morfina, ele tenta recordar seu resgate.
Ele se lembra da chegada dos Craigs ao acampamento. Quando lhe disseram que tinham acabado de falar com Charlie, ele esqueceu a dor; quis se levantar e dançar. Uma jovem chamada Rachel (despachada depois que Mike Burt chegou à cabana dos voluntários) apareceu pouco depois. Ela fez companhia a David até que lhe pusessem um arnês e o alçassem por um cabo até o helicóptero no ar.
No dia seguinte, Charlie vai visitar David. Em meio ao emaranhado de tubos de soro, pai e filho se abraçam. Charlie Boa-Praça, o mestre zen, cumpriu a promessa. Trouxe o helicóptero.
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