Um acidente de carro deixou Agnieszka com cicatrizes no rosto. Isso não a impediu de ganhar as passarelas internacionais. O impossível virou realidade.
Redação | 25 de Setembro de 2018 às 13:00
Eu tinha 12 anos na época. Certo domingo, fui com os meus pais a Suchowola visitar uma tia. No caminho de volta, o tempo mudou de repente e a primeira neve do inverno começou a cair. Tínhamos parado para dar carona a duas pessoas idosas que retornavam de um culto dominical. O balanço do carro foi me dando sono e adormeci.
Fui despertada por um grito e um sacolejo repentino, seguido por silêncio e escuridão. Quando abri os olhos, vi sangue na neve fresca. Escorria do meu rosto. Eu batera no para-brisa. Ninguém mais se ferira no acidente.
No hospital, me levaram depressa para a sala de cirurgia. A última coisa que vi foi uma luz forte e o rosto preocupado do médico curvado sobre mim, dizendo: “Que pena, uma menina tão bonita…” O médico que me operou fez o melhor possível. Ficarei para sempre extremamente grata a ele. Recebi pontos nas pálpebras e tive também um corte profundo em torno dos olhos e acima da sobrancelha. Felizmente e mais importante: o meu olho nada sofreu. Foi um milagre.
Enfim, duas semanas depois, voltei à escola. Estava com vergonha da minha aparência. Pus a franja para o lado, para esconder completamente as cicatrizes ao redor do olho. Um menino da minha classe, de quem eu gostava, veio me dizer: “Que pena que isso aconteceu, você era tão bonita…” Tive uma enorme sensação de perda. Eu nem começara a me sentir atraente, e agora tudo tinha acabado! Fiquei me sentindo pior ainda. E essa se tornou a verdadeira cicatriz.
Vários meses depois, a professora de russo disse diante da classe inteira: “Pare de sentir pena de si mesma e corte esse cabelo! Assim você vai prejudicar a vista, menina!” Fiquei furiosa com ela. Ninguém tinha o direito de falar do meu “defeito”; o assunto era tabu. Na volta para casa, chorei muito; então, engoli a raiva e fui ao cabeleireiro. Cortei aquela franja comprida e me orgulhei disso.
Na época, não esperava que um dia seria modelo, uma das pouquíssimas do mundo a ter cicatriz no rosto. Mas o impossível virou realidade.
Há algum tempo, compareci a um programa de televisão. Uma das questões levantadas foi a tragédia de uma menina de 14 anos que teve a perna amputada por causa de um erro médico. Ela e a família ficaram arrasadas, principalmente porque a amputação poderia ter sido evitada. O sonho da menina era ser cabeleireira, mas, em razão da deficiência, a família inteira se convenceu de que esse sonho nunca se realizaria.
Então ela se lembrou da história de uma britânica que perdera uma perna. Mas usava uma perna mecânica e era bonita de um jeito tão interessante que se tornou modelo. Imagino a resistência enorme que deve ter enfrentado para pisar naquela passarela. Bela e orgulhosa, ela passou com a perna mecânica à luz dos refletores e sob os flashes das câmeras. Não era aleijada; a sua alma estava inteira.
Inegavelmente, todos têm alguma cicatriz interior. Mas essas cicatrizes não devem impedir que vejamos o mundo nem nos empurrar para a margem da vida. Portanto, vale a pena cortar a franja, endireitar as costas e pôr a língua para quem olha e aponta. Se agirmos assim, a vida pode nos surpreender.
De fato, as minhas cicatrizes se tornaram parte de mim. Contudo, aquele acidente me convenceu de que a vida é frágil e que temos de valorizá-la a cada instante. Aliás, também sinto que, como sobrevivi àquele acidente, minha vida deve ter algum sentido. E, embora às vezes não consiga entender qual é, aguardo com paciência a hora em que tudo se revelará.
Toda cicatriz faz sentido, porque é sinal daquilo a que sobrevivemos. Os ferimentos saram. A alma ferida também.
Por Agnieszka Maciag