Antes mesmo de nascer, Eva, minha filha de 7 anos, começou a acumular gavetas e gavetas de lindas roupinhas. E eu tinha um plano ambicioso para aquele
Redação | 24 de Maio de 2019 às 10:37
Antes mesmo de nascer, Eva, minha filha de 7 anos, começou a acumular gavetas e gavetas de lindas roupinhas. E eu tinha um plano ambicioso para aquele guarda-roupa bem antes que Eva tivesse oportunidade de usar uma só peça: assim que ela crescesse, decidi, transformaria as roupinhas numa “colcha de recordações”.
Conseguia imaginar perfeitamente os tecidos estampados em tons pastel se entrelaçando numa colcha de retalhos para sua futura cama de mocinha, documentando os destaques da moda do tempo da sua formação. Durante alguns anos, só pude devanear sobre a futura colcha enquanto guardava religiosamente as roupas um tanto usadas que Eva perdia a cada estação.
No fundo, sou uma artesã, mas como mãe e escritora em horário integral não tinha tempo para hobbies. Ainda assim, elaborei um plano de longo prazo que me permitiria costurar um pouco de cada vez.
Quando falava a alguém sobre o projeto, sempre enfatizava que, quando ficasse mais velha, minha filha tão perspicaz e criativa adoraria sua colcha de retalhos sem igual no mundo. Mas, lá no fundo, sabia que, na verdade, eu ia fazê-la para mim, para me dar a tão desejada válvula de escape criativa.
A tarefa era cheia de lembranças felizes: ali estava a roupinha que Eva usara para ir do hospital para casa quando nasceu, chorando durante todos os sete minutos do percurso, comigo encolhida no banco de trás ao lado dela.
Aos 5 anos, Eva finalmente perdera saias, macacões, vestidos e pijamas suficientes para eu começar. Toda noite, depois que todos iam dormir, eu reservava alguns minutos para mergulhar no projeto. A tarefa era cheia de lembranças felizes: ali estava a roupinha que Eva usara para ir do hospital para casa quando nasceu, chorando durante todos os sete minutos do percurso, comigo encolhida no banco de trás ao lado dela.
A princípio segurei cada pequena peça com cuidado nas mãos, perguntando-me se seria correto cortá-la. Mas depois que superei o choque inicial de enfiar a lâmina no tecido, trabalhei lenta e constantemente durante um mês, transformando o antigo guarda-roupa de Eva em pilhas de peças para montar a colcha de retalhos. Escolhi as melhores partes de cada roupa – um babado, um bolso, o bordado de uma chaleira –para pôr no centro de cada quadrado ou retângulo.
Depois de cortar todas as peças de roupa, eu dispunha de tiras e quadrados coloridos em quantidades suficiente para cobrir toda a mesa da sala de jantar, e quis exibir meu trabalho. Mas a quem? Parecia que a melhor pessoa seria Eva, decidi: afinal, o guarda-roupa era dela.
Não sabia como uma criança de 5 anos reagiria ao ver suas roupas favoritas, que já não lhe cabiam mais, feitas em pedacinhos, e assim reforcei a ideia da colcha de recordações que logo enfeitaria seu quarto.
Para meu alívio, ela vasculhou, deliciada, as peças da colcha, um vislumbre de reconhecimento a lhe iluminar os olhos azuis a cada quatro ou cinco quadrados. Depois, implorou que a deixasse me ajudar a terminar a colcha. O pedido me pegou de surpresa, e não consegui resistir à lisonja; de repente eu tinha uma auxiliar.
Ela absorvia as histórias, espantada com os segredos do seu passado que iam sendo revelados.
Passei uma ou duas semanas achando que Eva perderia o interesse pela colcha, mas isso não aconteceu. Quando chegava a hora da atividade noturna antes de dormir, Eva quase sempre escolhia a colcha. Às vezes se sentava no meu colo para me ajudar a decidir que tecido combinava mais com outro. Ou então ficava em pé ao meu lado para me ajudar a unir as partes na máquina de costura.
Fiquei comovida com toda a alegria que ela sentia com nosso projeto, pois antes nunca tivera ninguém com quem dividir um hobby com tamanha intimidade. E adorei a ideia de ensinar à minha filha tecnológica, amante de smartphones, as noções básicas de uma arte secular.
Os tecidos suscitaram muitas conversas importantes. “Eu me lembro daquele ali!”, dizia Eva sobre um casaco de bolinhas que perdera recentemente, e discutíamos o que ela mais gostava na creche, onde usara o casaco. Ela também quis saber mais sobre roupas que não conhecia, e lhe contei o que fizera quando usara determinadas blusas ou vestidos, como dar os primeiros passos ou visitar a bisavó. Ela absorvia as histórias, espantada com os segredos do seu passado que iam sendo revelados.
Naquela noite, tive uma sensação de missão cumprida quando preparei a caminha dela com a colcha, e mal pude esperar até a hora de dormir.
Durante mais de um ano, seu entusiasmo nunca diminuiu. Tenho certeza de que parte do encanto era o tempo que passávamos sozinhas, com o zumbido baixinho da máquina de costura. mas ela também se sentia motivada com a promessa de uma colcha de recordações que ela mesma ajudara a fazer.
Só conseguimos terminar o trabalho no último dia de novembro. Embora fizesse muito frio lá fora, deixei Eva dormir uma noite com nossa obra-prima antes de guardá-la até maio. Naquela noite, tive uma sensação de missão cumprida quando preparei a caminha dela com a colcha, e mal pude esperar até a hora de dormir.
Quando acomodei Eva na cama, debaixo da colcha que eu imaginara tantos anos antes, fiquei surpresa com o abraço forte e prolongado que ela me deu.
Então vi os olhos azuis da minha filha se iluminarem de orgulho. E, de repente, compreendi: embora eu tivesse guardado a matéria-prima e começado a fazer a colcha sozinha, na verdade o projeto fora dela o tempo todo, e Eva esperara aquele momento perfeito muito mais do que eu.