O garoto acabou de ir para a faculdade. E aqui estou, na paz e no silêncio dos quais aprendi a não sentir falta. Eu não era o tipo de homem que sonhava em
Redação | 10 de Julho de 2019 às 14:00
O garoto acabou de ir para a faculdade. E aqui estou, na paz e no silêncio dos quais aprendi a não sentir falta. Eu não era o tipo de homem que sonhava em ter filhos. Isso parecia incompatível com a noção de felicidade. Como desejar ser acometido por uma infestação de carrapatos, ou por uma crise de zumbido no ouvido, ou pelas manifestações mais desagradáveis de gota.
Fui solteiro a maior parte da vida, e a paternidade era algo que afligia outras pessoas. Eu assistia a isso a distância, e tremia só de olhar. Crianças pequenas gritavam sem razão aparente. Adolescentes pareciam ter perdido completamente a noção. Mudam de humor rápido e decoram o corpo com mais tatuagens que um arpoador de Moby Dick, enquanto ouvem músicas com mais linguagem chula que a que os meus tios bêbados usavam quando assistiam a brigas de galo.
Entre a infância e o fim do ensino médio (se os pais dessem sorte), eles passavam o tempo todo basicamente imundos. Então, um dia, um deles entrou na minha vida. Não foi nada planejado. Simplesmente veio no pacote, como um nono nugget de frango numa caixa com oito. E, com o tempo, ele me fez pagar por toda a felicidade que eu havia vivenciado. Ele tinha 11 anos quando surgiu, na fase pós-gritos e antes da idade em que tudo que saía da minha boca era considerado estupidez.
Estive com ele nos anos de imundície, quando tentei evitar um contato muito próximo porque não tinha muita certeza de por onde ele havia andado. Esse é o menino que uma vez lambeu o molho do espaguete da parte interna do braço. Não preciso dizer mais nada.
Quando ele descobriu as garotas, passou a andar mais limpo; porém, de uma hora para outra, eu não servia mais para ficar por perto. Eu sempre dizia a coisa errada, ou alguma burrice, ou algo muito alto. Quando ele trazia uma garota para casa, eu era banido para o cômodo mais distante. Feito um troll das cavernas.
– Antigamente eu era maneiro – eu dizia. – Algumas pessoas ainda acham isso de mim. Ele me lançava um olhar de piedade. O mesmo fazia a mãe.
E agora ele foi para a faculdade e sinto sua falta, o que me faz ter certeza da existência de Deus e do fato de Ele ser o Rei da Pegadinha. Ele sabe como fazer um homem pagar por seus delitos. Ele se lembra do dia, muito tempo atrás, em que afundei na cadeira do avião, enquanto pensava que aquela bebê chorona deveria ter sido deixada em casa, mesmo que, com isso, seus avós só fossem vê-la no Baile de Debutante.
Não sou o único triste na nossa casa, neste ninho vazio. Eu mal tinha um ninho, antes de ele ter esvaziado, embora eu tenha a impressão de que não posso culpar ninguém além de mim por isso. A mãe dele sente saudade, claro. E o cachorro também. O cão amava o garoto. Woody Bo ia ao seu encontro na porta todos os dias quando ele chegava da escola, sabendo que estava prestes a chegar porque sempre que trancava o carro, uma breve buzina soava.
Woody, que é muito gordo para pular (em geral), dava um salto ao ouvir a buzina, desafiando a gravidade, tirando tapetes do lugar e destruindo móveis em sua corrida desenfreada até a porta. Agora seu mundo está em pedaços. O garoto se foi há meses. O cão nem entra no quarto dele – não fez isso nem uma vez desde que partiu.
Há pouco tempo, minha mulher teve de usar o carro do filho. Não tendo certeza de tê-lo trancado ou não, apontou o controle remoto para a janela e apertou o botão do alarme. A buzina soou rapidamente, e o cão deu um salto e correu para a porta, abanando o rabo. Ficou sentado lá por um bom tempo. Acho que sei como ele se sente..