Confira um trecho oo livro an Elephant in my Kitchen, de Françoise Malby-Anthony e Katja Willemsen e fique encantado com esta história!
Cresci na cidade grande, uma parisiense da gema que sabia o caminho mais rápido para Saint-Germain-des-Prés mas não entendia nada de animais. Nossa família nem tinha bichos de estimação.
Morar e trabalhar na cidade grande, mesmo numa cidade bonita como Paris, não nos deixa tempo para observar a natureza. É métro-boulot-dodo, como se diz na França, quando a vida é um circuito incessante de transporte, trabalho e sono. Mas, mesmo quando percorria o circuito parisiense, em algum lugar lá no fundo sempre senti que acabaria num país estrangeiro.
Mas viver no interior da África? Não tão estrangeiro assim.
Apesar disso, ali estava eu, no interior, sozinha.
Meu marido Lawrence Anthony, sul-africano, é que despertou minha sede de correr o mundo. Eu o conheci em Londres, em 1987, e, um ano depois, larguei o emprego e o apartamento chique em Montparnasse e me mudei para a África do Sul. Abri uma empresa de moda em Durban, mas nos sentimos atraídos para o mato e acabamos comprando uma reserva de caça: uma bela mistura de rio, savana e floresta espalhada por 1.500 hectares de morros em Zululândia, KwaZulu-Natal. Havia abundância de búfalos-africanos, hienas, girafas, zebras, gnus e antílopes, além de aves, crocodilos e cobras de todo tipo.
Chamamos nossa reserva de Thula Thula. Acrescentamos elefantes, rinocerontes e hipopótamos e logo trabalhávamos para salvar nossa arca de Noé da predação de caçadores legais e ilegais que percorriam o campo atrás de diversão e lucro. Construímos sete chalés de luxo sob as acácias e tambotis às margens do rio Nseleni e abrimos a Elephant Safari Lodge em junho de 2000. Contratei alguns moradores locais, lhes ensinei a fazer o trabalho administrativo, a cuidar dos hóspedes e a preparar pratos franceses. Lawrence cuidava de tudo o que tinha a ver com a reserva: consertava cercas, monitorava a segurança, melhorava as estradas de terra e limpava a vegetação.
Então, em março de 2012, com 61 anos, Lawrence morreu de infarto fulminante. E lá estava eu, sozinha, sepultando meu marido, sem saber o
que fazer depois.
Dias perigosos
Nessa época, eu estava na África do Sul havia mais de 20 anos. Tínhamos expandido Thula Thula para o triplo do tamanho original. E, embora parte de mim ansiasse pela familiaridade movimentada de Paris, eu sabia que minha vida era ali. Eu amava a África e abracei seu cadinho de culturas e tradições.
Logo enfrentei meu primeiro batismo de fogo. Fazia poucos dias da morte de Lawrence quando recebi um chamado pelo rádio. Caçadores ilegais. Thabo, nosso jovem rinoceronte, um macho corpulento de 3 anos, levara uma bala.
Quando vivo, Lawrence cuidava das emergências. Eu não tinha a mínima ideia do que fazer. Fiquei simplesmente chocada com caçadores ilegais que tiveram o desplante de cortar nossa cerca em plena luz do dia; nem se deram ao trabalho de usar silenciadores. Talvez soubessem que Lawrence tinha morrido recentemente e supusessem que nossa segurança tivesse diminuído.
Naquele momento, tínhamos 23 guardas que deveriam vigiar os animais, procurar armadilhas e agir como força de emergência caso caçadores invadissem a reserva. Um boato sugeria que tinha sido serviço interno. Talvez um guarda subornado? Talvez alguém que quisesse me assustar para eu ir embora?
Os guardas-florestais disseram que havia muito sangue, mas Ntombi, companheira de Thabo, não deixava ninguém se aproximar. E aí as hienas, farejando o sangue, começaram a importuná-los.
Conversei com nosso veterinário, que estava a três horas de distância de carro ou meia hora e 30 mil randes (cerca de 1.800 euros) de helicóptero. Disse-lhe que os guardas-florestais tinham visto Thabo dar alguns passos. “Isso é bom”, afirmou ele. “Se está andando e não tem dor aparente, então a bala provavelmente não lesionou nenhum osso. Ele não se sentirá bem, mas não parece haver risco de vida. Estarei aí pela manhã. Mantenha-o em segurança até lá.”
Ninguém dormiu naquela noite. Os guardas deram espaço a Thabo e Ntombi, mas ficaram de olho neles o tempo todo. Thabo acabou se deitando, enquanto Ntombi se manteve vigilante e passou a noite rechaçando hienas. Os rinocerontes têm péssima visão, mas olfato apuradíssimo, e Ntombi sabia que esses pequenos predadores perigosos tinham chegado muito antes dos guardas-florestais.
Durante o dia, conseguimos dois ex-militares para reforçar nossa segurança. Quando chegou, o veterinário sedou Thabo com um dardo enquanto os guardas-florestais mantinham Ntombi a uma distância segura.
“Só feriu a carne”, anunciou o veterinário. “A bala não atingiu o osso por uma questão de milímetros.”
Serei sempre grata à péssima pontaria daqueles caçadores.
Depois disso, durante semanas, Alyson, enfermeira veterinária e uma de nossas principais cuidadoras, limpou a ferida todos os dias. Thabo melhorava, mas ainda estava traumatizado. Emagreceu, chorava à noite e ficou preocupantemente letárgico.
Certo dia, Thabo se deitou na borda da represa do rio, com o rosto completamente submerso. Embora os rinocerontes sejam muito bons para prender a respiração, um dos guardas ficou tão preocupado que se sentou ao lado dele na margem da represa e pôs a cabeça do animal no colo até que ele se dispusesse a se levantar.
Lawrence tinha partido. Eu estava com um rinoceronte problemático e guardas de segurança em quem não podia confiar. E, como várias reservas haviam sido canceladas depois que a notícia do falecimento de Lawrence se espalhou, tinha também uma conta bancária zerada.
A pressão para obter resultados era enorme, e lutei contra o ceticismo das pessoas que não acreditavam em mim, que pensavam que eu não conseguiria. A maioria achava que eu voltaria para a França. Mas como deixar Thula Thula, o sonho pelo qual Lawrence e eu tanto lutamos? Eu trabalhava com pessoas maravilhosas. Eram minha família, e eu não poderia abandoná-las. E havia nosso rebanho especial de animais, muitos dos quais tínhamos criado desde bebês. Eram família também.
Eu tinha muito a aprender, mas lentamente fui me arranjando. Todos fizeram o possível para ajudar Thabo a melhorar, e finalmente ele se recuperou do trauma. Fiz reuniões com a equipe para discutir problemas da reserva e dos animais e para estabelecer prioridades. Reorganizei a equipe de segurança. E lancei um fundo nosso para os rinocerontes. Percebi que, sem dinheiro, os animais não estariam seguros. Entrou dinheiro suficiente para pagar mais guardas e comprar mais equipamento de segurança.
Nunca esquecerei aqueles dias horríveis depois que atiraram em Thabo. Mas eles ajudaram a definir o propósito de minha vida sem Lawrence, e entendi que o papel de proteger os animais selvagens de Thula Thula passara a ser meu, só meu.
Bebê falante
Certa noite, houve batidas fortes à minha porta. Eu não esperava visitas.
– Françoise? Sou eu – sussurrou uma mulher.
Abri a porta.
– Tom? O que está fazendo aqui? O que há de errado?
Tom, uma jovem miúda e tímida, era minha cozinheira. Ela fez um gesto para que eu saísse.
– Tem uma bebê elefante aqui.
– Um elefante?
– Está junto à sua casa. É pequenina e está apavorada.
– Deve ser a filha de ET, de uma semana de vida – disse eu, sombria.
Tom explicou que ouvira um barulho fora do quarto. Ela pegou a lanterna, abriu uma fresta da porta e iluminou o jardim. Um elefante minúsculo a fitava, os olhos arregalados de terror.
Espantada, Tom tinha fechado a porta e saído pela janela dos fundos para me chamar.
Parece que a bebê conseguira passar por baixo da cerca. Mas as elefantas são mães fantásticas; ET nunca deixaria sua bebê sozinha. A coisa toda parecia impossível. E um bebê elefante em dificuldades é uma emergência máxima. Ela enfrentaria perigos demais sozinha: hienas, crocodilos, cobras, rinocerontes, sem falar do rio. Tremi. O que um filhote de uma semana de vida sabe dos perigos da água?
Tom e eu tivemos de trazê-la para dentro a fim de mantê-la em segurança até conseguirmos devolvê-la à mãe. Nós a encontramos escondida atrás de um pé de amora ao lado da casa. Olhos assustados nos espiavam entre as folhas.
Caminhei devagar na direção do filhote. Paralisada, ela me observou, mas assim que cheguei à distância de um braço ela guinchou e saiu correndo para os fundos da casa. Tom e eu corremos atrás dela, mas novamente ela disparou, soltando guinchos de pânico. Fiquei com medo de que ela passasse sob a cerca e sumisse. Se corresse para a reserva, nunca a encontraríamos, e, se ela se perdesse, não sobreviveria.
Outros funcionários ouviram a comoção e vieram ajudar. Examinei o mato em torno da casa. Onde será que estava a manada? A bebê fazia tanto barulho que eles já deviam tê-la ouvido, mas não havia sinal deles. Comecei a me perguntar se a tinham abandonado. Se a tivessem rejeitado, nunca a aceitariam de volta.
Era em ocasiões assim que eu me sentia muito sozinha. Lawrence saberia o que fazer. Fiquei no meio do gramado e fitei o negrume, torcendo para a manada voltar para buscar a pequenina.
Tom e Alyson conseguiram encurralar o filhote no estacionamento. Ela ficou completamente imóvel, de cabeça baixa, as orelhas caídas, os olhos se movendo ansiosos a qualquer som ou movimento. Tentei me aproximar dela outra vez, e agora ela não resistiu e permitiu que a levássemos gentilmente para dentro de casa. Ela entrou em pânico de novo e correu pela cozinha em zigue-zagues frenéticos, bramindo de medo.
Fiquei falando com ela, disse-lhe que estava em segurança e que a levaríamos de volta à mãe. Alyson ligou para o veterinário, que nos disse que a prioridade era conseguir que ela se alimentasse – com leite de soja, se tivéssemos, ou leite de vaca comum.
Não tínhamos nada que se parecesse com uma mamadeira, e adaptamos luvas de borracha. Alyson usou uma agulha para abrir um furinho no polegar e começamos o processo de alimentação.
Tom aqueceu o leite. Segurei a luva aberta. Tom a encheu. Eu a amarrei para fechar. Alyson deu de mamar.
A elefanta bebeu direto; engoliu a primeira luva-mamadeira e depois cutucou a mão de Alyson, pedindo mais. Derramamos leite no chão e em Alyson, cobrimos todo o focinho da elefanta. Mas a bebê se acalmou e começou a nos inspecionar com grande interesse, passando a tromba inquisitiva por nós, farejando nosso rosto, cutucando nosso cabelo.
Finalmente, cochilou. Entrei em contato com os guardas-florestais, que pularam da cama e começaram a procurar a manada. Então me sentei ao lado da bebê no chão da cozinha, caso ela acordasse e se assustasse.
Inspecionei todas as partes dela e não achei nada errado. Nenhuma ferida aberta, nenhum inchaço, nenhuma deformidade. Era uma elefantinha perfeita.
Bem depois da meia-noite, meu rádio estalou. “Achamos”, disse Vusi, o chefe dos guardas-florestais. “Não estão muito longe. Estamos voltando. Vou levar o caminhão até sua porta. Embarcaremos o filhote para levá-lo para casa.”
Era uma ótima notícia. Mas ainda teríamos de passar por uma verdadeira prova. E se a mãe a ignorasse? Ou pior, se ficasse violenta? Já ouvira falar de bebês elefantes pisoteados até a morte depois de rejeitados pela manada.
Preparamos outra luva-mamadeira, caso precisássemos. E tranquilizei a bebê: “Você logo estará com sua mamãe.”
Ouvimos o chocalho do caminhão na trilha de terra. Vusi tinha chegado. Alyson alimentou o filhote enquanto Tom e eu levávamos cobertores até o caminhão para suavizar sua viagem.
– Como está a manada? – perguntei.
– Tensa e nervosa – responderam.
Claramente, os animais estavam estressados, mas não tinham vindo buscar o filhote. Todos os sinais indicavam rejeição.
Os homens ergueram o filhote até o caminhão. Vusi pegou o volante e os outros subiram atrás, enquanto o filhote soltava um par de bramidos. Parecia que agora ela achava que estava numa aventura! Se sobrevivesse, algum dia seria uma elefanta extraordinária.
Acenei para eles com temor no coração. Por favor, aceite-a de volta, ET, pensei, cruzando os dedos e mandando um beijo para o céu.
A manada seguia lentamente para o sul, e Vusi foi até uma clareira que eles atravessariam. “Contato visual em cinco”, ouvi no rádio.
“Hora de descarregar o filhote”, falou Vusi. “Vamos, rapazes!”
Eles tiraram o filhote da traseira do caminhão. O estrondo de árvores quebradas ficou mais alto. A manada estava próxima. Então os elefantes farejaram o cheiro da bebê e se aproximaram com estrondo. O filhote bramiu com alvoroço. A equipe pulou de volta no caminhão.
ET veio correndo e parou de repente, as orelhas para trás. A manada se juntou atrás dela em silêncio. Então, a tromba de ET se enrolou na filha e a puxou para debaixo da barriga. A bebê ficou imóvel, observando os guardas-florestais.
“Hora de partir”, disse Vusi em voz baixa.
ET bramiu alto e empurrou a bebê para o meio da manada. Um emaranhado de trombas a recebeu, e então Vusi foi embora.
Até aí, tudo bem. Não a rejeitaram. Mas não conseguiríamos relaxar sem ver se ela mamava.
Pela manhã, Vusi foi até a represa. A manada inteira estava lá. Ele manobrou até chegar o mais perto possível, binóculo posto nos elefantes. Foi então que ele viu o filhote mamando.
Chamei o filhote de Tom em homenagem à minha gentil cozinheira, cuja presença de espírito à noite salvou a vida da pequena. Monitoramos a bebê Tom durante semanas para nos assegurar de que não fugiria de novo, mas obviamente ET corrigiu sua intrépida filha. Toda vez que os guardas-florestais viram ET, a bebê Tom estava bem ali, ao lado dela.
“Ela o atacou!”
Eu queria construir um orfanato para cuidar de animais cuja mãe fosse morta por caçadores legais ou ilegais ou que morresse no mato por qualquer outro motivo. Recebemos financiamento da Four Paws, entidade com sede na Áustria que defende o bem-estar dos animais, e, no início de 2015, demos os toques finais nas instalações: construção de tanques para chafurdar, plantio de capim e decoração do berçário com estênceis de patinhas. Estávamos numa estranha terra de ninguém, esperando alguma tragédia.
O chamado veio numa manhã de abril. A unidade anticaça de Zululândia encontrou a carcaça de uma rinoceronte morta por caçadores ilegais, mas não havia vestígio do filhote. Torcemos para os guardas-florestais o encontrarem antes dos leões.
Não soubemos de nada durante dois dias. O relógio do camaradinha tiquetaqueava. Finalmente, o filhote órfão foi avistado com outra fêmea de rinoceronte e seu bebê. É raro uma fêmea cuidar de filhotes que não sejam seus, mas, se permitisse que ele ficasse, o pequeno teria uma boa chance de sobreviver. O orfanato estava pronto, mas o melhor seria que ele não precisasse.
Então recebemos notícias. A fêmea estava ficando agressiva. O rinocerontinho órfão sentia o cheiro do leite, via o outro filhote mamando, mas não conseguia se aproximar deles. Na manhã seguinte, os guardas-florestais nos ligaram.
– O filhote está em perigo. Vamos resgatá-lo.
– Podem trazer, estamos prontos – disse eu. – Quando chegarão aqui?
– Não sabemos. É perigosíssimo. Os dois filhotes são parecidos e, se pegarmos o errado, a fêmea matará o órfão.
Eles passaram dois dias tentando. Mas, quando os guardas se aproximavam, os três rinocerontes se espalhavam e sumiam no mato denso. Então recebi outro chamado. “Ela o atacou! Jogou o filhote no ar. Ele está ferido, e a fêmea fugiu com seu filhote.”
Com a mãe fora do caminho, os guardas-florestais finalmente pegaram o filhote apavorado e o trouxeram para nós na picape.
Nós o pusemos para dentro. O veterinário o sedou e lhe deu soro intravenoso para hidratá-lo. Havia feridas infeccionadas na virilha, onde a fêmea o machucara, e a pele estava coberta de picadas inflamadas de carrapato. O veterinário limpou tudo e lhe ministrou uma boa dose de antibiótico.
Chamamos o jovem rinoceronte de Ithuba, que significa “chance” em zulu, porque, durante uma semana, ele escapou de predadores e caçadores ilegais e agora precisava que a sorte lhe desse uma segunda chance. Na primeira noite, ele dormiu profundamente, por causa da exaustão e dos sedativos. Mas a segunda noite foi um inferno. Seus guinchos agudos de terror perfuravam todos os cantos do orfanato. Alimentá-lo era impossível. Era grande e violento demais para os tratadores entrarem no mesmo cômodo que ele, mas o filhote não aceitava a mamadeira que lhe estendiam pela barreira.
Os tratadores, entre eles Alyson, a enfermeira veterinária, e Axel, um rapaz da França, tentaram convencê-lo a pegar a mamadeira. Mas o medo era maior do que a fome, e ele se encolhia no canto mais distante.
Axel balançou a mamadeira de leite entre as grades da barreira. “Venha. Você precisa comer”, murmurou.
Ithuba o observou com medo nos olhos.
Axel derramou um pouco de leite no chão. Ithuba soltou um guinchinho faminto e se aproximou alguns passos. “Ande mais um pouco”, incentivou Axel gentilmente.
Ithuba o fitou, se aventurou até mais perto. Axel estendeu o braço e passou levemente a mamadeira nos lábios de Ithuba. Finalmente, a boca do filhote se abriu e ele sugou. Seus olhos se fecharam e ele mamou sem parar.
Uma hora depois, ele tomou uma segunda mamadeira. Mas aí vieram as cólicas. Ele começou a tremer e a se debater durante o sono. Acordava e ficava tão assustado e confuso que rodava pelo cômodo em pânico, urinando por toda parte e se jogando na parede.
O veterinário nos disse:
– O que Ithuba está passando não é surpresa. Muita gente acha que só seres humanos têm transtorno de estresse pós-traumático, mas existe em elefantes e rinocerontes feridos e também em cães militares.
– O que mais podemos fazer para ajudá-lo? – perguntei.
– Rotina e amor – respondeu o veterinário. – Quando ele voltar a se sentir seguro, vai começar a melhorar.
No dia seguinte, abrimos o portão para o boma (cercado) externo assim que ele terminou de mamar. Ithuba trotou até a soleira, o focinho elevado para sentir os cheiros, mas não se aventurou mais. Seguiram-se dois dias de inspeção tímida e, então, ele correu de repente para um pneu que estava caído perto da porta aberta. Farejou-o com muito interesse, deu-lhe uma cabeçada e o jogou por sobre a cabeça. Ficou tão surpreso! O pneu caiu com tanto barulho que ele correu de volta para o quarto. Dois passos à frente, um passo atrás.
Aos poucos, os pesadelos de Ithuba ficaram menos frequentes. Sua insegurança foi sumindo, o apetite explodiu. Em três meses, dobrou de peso e se transformou num rinocerontinho feliz como um tanque de guerra.
Com o tamanho e a confiança, ele assumiu o cargo de inspetor de Controle de Qualidade e passou a expor todos os pontos fracos da construção do orfanato, geralmente se jogando através deles para mostrar sua opinião. Logo, todas as portas, fechaduras e barreiras foram testadas, reforçadas e consertadas, e nenhum filhote de rinoceronte conseguiria mais fugir.
O que foi muito bom, porque seus dias de ser o único filhote no orfanato logo acabariam.
No início de 2016, nós tínhamos recebido seis filhotes de rinoceronte e um bebê elefante. Tínhamos conseguido realizar tanta coisa. E, pela primeira vez depois que Lawrence morreu, comecei a sentir que todos os incêndios tinham sido apagados e que eu podia me concentrar nos animais e na reserva… e em aumentar o legado de Lawrence.
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Françoise Malby-Anthony continua a administrar Thula Thula, onde admite que sempre há mais a fazer para proteger os animais. Os elefantes são caçados ilegalmente pelo marfim. Os hipopótamos são mortos pela carne e pelos dentes. E os rinocerontes estão sendo eliminados pelos chifres. O chifre de rinoceronte é valioso pelo valor medicinal, praticamente fictício. Mas, quando vê um rinoceronte, o caçador ilegal só enxerga dólares.
Em fevereiro de 2017, cinco homens armados invadiram Thula Thula atrás de chifres de rinoceronte. Mataram um animal, feriram mortalmente outro e atacaram um dos tratadores de Thula Thula. O ataque forçou Françoise a fechar temporariamente o orfanato e a motivou a reforçar mais uma vez a operação de segurança. Mas desistir nunca esteve em seus genes. “Aprendi a me agarrar a meus sonhos, sempre em busca do lado bom”, diz ela, “e que, ao olhar para a frente, as dificuldades do passado acabam sumindo.”
Pelas últimas notícias, a manada de elefantes de Thula Thula chegou a 29 indivíduos e continua crescendo. O orfanato foi ampliado e hoje é um centro de resgate e reabilitação para animais selvagens feridos ou órfãos. A elefanta Tom está viva e passa bem. Thabo e Ntombi têm 10 anos e são um casal feliz e inseparável. “Aguardo impaciente que me transformem em vovó de rinocerontes”, conta Françoise.
Além da pousada principal para hóspedes, agora há uma academia para voluntários perto do centro de reabilitação, onde pessoas do mundo inteiro podem aprender a vida no mato africano e o valor da conservação para o bem-estar próprio e do planeta.
Thula Thula está prestes a se expandir em mais 2.500 hectares. “Estamos transformando a ideia de Lawrence de criar uma imensa área de conservação num legado crescente e sustentável para as próximas gerações”, afirma Françoise.
POR FRANÇOISE MALBY-ANTHONY do livro An Elephant in My Kitchen
Do livro an Elephant in my Kitchen, de Françoise Malby-Anthony e Katja Willemsen, © 2018 de Françoise Malby-Anthony e Katja Willemsen. Publicado com permissão de Pan Macmillan Ltd. Todos os direitos reservados.