Apesar de dar medo, fazer uma transição de carreira pode ser uma ótima ideia em qualquer idade. Confira algumas histórias de quem encarou o desafio.
Thaís Garcez | 5 de Novembro de 2019 às 16:00
Durante os vinte anos em que abasteceu prateleiras e comando o caixa do supermercado da família em Pollença, na ilha espanhola de Maiorca, José Luis-Reig, conhecido como Pep, não pensou em mudar de trabalho ou entrar no mundo acadêmico. Só quando visitou os corredores de universidades no continente com as filhas adolescentes é que, de repente, se sentiu em casa em meio aos livros e clima de aprendizado. Então pensou em uma possível transição de carreira.
Depois do ensino médio, Pep pensara em cursar Biologia, mas foi convocado a ajudar a administrar a empresa da família. Embora não pensasse em estudar, uma pergunta não lhe saía da cabeça: “Qual é meu papel na vida? Aonde vou?” Passou-se mais um ano até que lhe veio a resposta. Quando estava na escola, outras crianças costumavam procurá-lo com seus problemas. Ele fez fama e foi convidado a ir à rádio local, onde o entrevistador disse: “Você parece um jovem psicólogo”. Depois de conversar com a família sobre mudar de trabalho, ele se candidatou para o curso de Psicologia da Universidade da Palma e, aos 46 anos, foi aceito.
“Eu era mais velho até do que o professor”, diz ele. “Mas isso acabou ajudando os outros, porque tive mais experiências na vida, e isso se reflete na teoria em sala de aula. Mas não pude ir a todas as festas!”
Pep foi o primeiro aluno da turma e os professores ficaram tão impressionados que lhe ofereceram emprego em ensino e pesquisa – e ele ainda trabalha nisso enquanto estuda para o mestrado em neuropsicologia. Hoje, com 52 anos e há dois no novo emprego, diz: “Meu único arrependimento é não ter feito isso antes.”
Antigamente pensava-se que era preciso se estabelecer numa carreira e nela ficar até a aposentadoria. Mas hoje muitos cinquentões e sessentões escolhem encarar novos desafios.
“A satisfação no trabalho se torna cada vez mais importante quando já temos milhagem na vida”, afirma Carolyn May, que largou a carreira na educação aos 58 anos para abrir uma empresa especializada em marketing no País de Gales e ajudar outras pessoas a ter uma segunda vida profissional. “Ninguém quer passar o resto da vida se arrependendo de não ter seguido seus sonhos”, explica ela.
“Para quem tem algum dinheiro depois de sair do emprego, é possível criar para si uma nova oportunidade”, diz Vincent Giolito, pesquisador da Escola Solvay de Economia e Administração de Bruxelas, que entrou no mundo acadêmico aos 50 anos depois de passar vinte anos trabalhando como jornalista especializado em negócios. “Muitos trabalhadores em nível de gerência estão se tornando assessores autônomos ou abrindo pequenas empresas.”
Não só os autônomos, mas também os empregadores têm percebido que funcionários mais velhos podem dar valiosas contribuições. A empresa britânica B&Q, rede de lojas de objetos domésticos, tem uma política oficial de neutralidade etária.
“Vinte e oito por centro de nossa força de trabalho tem mais de 50 anos”, revela um porta-voz da empresa, “e isso é ótimo, porque eles podem oferecer muito ao pessoal mais jovem.”
Para alguns, o segredo de mudar de trabalho não é aprender uma nova habilidade e sim aprimorar algo que sempre fizeram por prazer.. Durante trinta anos, Tallu Konttinen foi diretora de arte em uma agência de publicidade da Finlândia e criava logotipos, cartazes, folhetos, embalagens etc. Quando foi demitida em 2014, seu impulso foi procurar outro emprego no mesmo setor. Mas, então, ela percebeu que aquela podia ser a oportunidade de levar seu antigo amor por tecidos a outro nível. Anos antes, ela trabalhava numa fábrica editando estamparias. E sempre passara o tempo livre fazendo artesanato, principalmente com tecidos e aviamentos , combinando componentes novos e tradicionais.
Konttinen se matriculou na Escola de Artesanato, Artes e Ofícios de Ikaalinen e mergulhou fundo. Hoje, aos 57 anos, se ocupa com projetos de design e espera se formar em breve. “Aprendi que é preciso ter coragem e mente aberta na hora de encarar as novas oportunidades”, diz ela. “Vá em frente; você pode ter surpresas maravilhosas.”
Enquanto alguns mudam de carreira para satisfazer um desejo antigo, outros se veem obrigados a reagir a uma situação inesperada. Primo Sule mudou-se do Chile, onde nasceu, para o Reino Unido em 1974. Começou estudando para ser professor de educação física e depois passou para a Ciência da Computação, na Universidade de Birmingham. A era do computador estava na infância, e, assim que se formou, Primo conseguiu trabalho. Ele foi contratado, em 1998, pela empresa global de contabilidade PwC, onde comandava 1.500 funcionários e era responsável por 25 países na Europa, Oriente Médio e África. “Fiquei muito contente, porque não havia dois dias iguais. Em 99% do tempo, eu estava viajando: Nova York, Hong Kong, o mundo inteiro.”
Mas, em 2008, quando a condição mental do sogro começou a se deteriorar, Primo viu como era difícil para a sogra encontrar auxílio para limpar e servir refeições. “Pessoas diferentes chegavam em horas diferentes a cada dia para ajudar, mas não havia continuidade no cuidado com ele”, explica. “E eu não conseguia encontrar ninguém que recomendasse algo satisfatório.”
Só em 2009, quando seu avô também começou a precisar de cuidados, Primo teve a ideia. Ao visitar uma dessas casas, ele conversou mais de uma hora com uma senhora. Ela se sentiu melhor ao pensar que alguém se interessava por ela, o que fez com que ele também se sentisse melhor. Ele saiu de lá acreditando que algo tinha de ser feito para melhorar a qualidade de vida dos idosos.
No fim daquele ano, Primo tomou a decisão de mudar de trabalho. Saiu da PwC e começou a pesquisar o setor de cuidados para idosos. Foi tenso para toda a família. “Estava acostumado a viagens na classe executiva e hotéis cinco estrelas, nunca tendo de cozinhar nem lavar louça. Minha mulher Diana se preocupou com a segurança financeira que perderíamos, principalmente porque eu não tinha experiência no novo setor.”
Mas Primo descobriu a Home Instead, fornecedor americano que dá ênfase a oferecer companhia, além de cuidados. A empresa trabalha com clientes em casa, oferecendo-lhes os cuidadores adequados. Primo abriu uma franquia da Home Instead em Nottingham, que já funciona há seis anos. “Os dois primeiros anos foram dificílimos, mas valeu a pena”, afirma ele.
Em 2013, Primo fez a primeira de uma série de oficinas para familiares de pessoas com demência. Uma mulher foi lhe agradecer; como única cuidadora do pai, ela vinha tendo dificuldade para entender a doença e como cuidar melhor dele e de si mesma. “Embora minha vida anterior fosse boa”, diz ele, “a satisfação que obtenho todo dia por influenciar diretamente a vida dos outros é muito mais compensadora.”