No dia 31 de dezembro de 2007, durante um assalto, fui alvejado por três tiros. Um na mandíbula, outro no antebraço esquerdo e o terceiro, no tórax,
No dia 31 de dezembro de 2007, durante um assalto, fui alvejado por três tiros. Um na mandíbula, outro no antebraço esquerdo e o terceiro, no tórax,atravessou o pulmão, causou uma lesão no baço e atingiu minha coluna. Fiquei 50 dias no CTI, sendo 19 deles em coma induzido. Quando acordei, constatei que tinha ficado paraplégico.
“Era como se eu tivesse perdido minha identidade e passado a ser um estranho para mim mesmo.”
Os meses que se seguiram foram de tratamento intenso. Minha mãe Eliete e meu irmão Luiz Fernando, que também é médico, abdicaram um ano de suas vidas para ficar comigo e passaram a me acompanhar o tempo todo, em tudo.
Eu tinha sido tão privado de tanta coisa, da minha vida como ela era, que sentia um vazio enorme. Era como se eu tivesse perdido minha identidade e passado a ser um estranho para mim mesmo. Só o que me fazia seguir em frente era acordar de manhã e ver minha mulher, Silene, ao meu lado.
Até que, sete meses depois do incidente, resolvi pedir “divórcio do teto”. Estava cansado de ficar em casa olhando para o alto. Decidi que não deixaria que aquela tragédia tirasse de mim, além de todo o restante, também a minha função profissional. Então marquei minha volta ao trabalho. Estava nervoso, não tinha certeza de que seria capaz de atender meus pacientes da maneira adequada.
“Quando cheguei em casa depois do trabalho, voltei a me sentir eu mesmo.”
No dia 28 de agosto de 2008, fui recebido com festa por minha equipe no consultório. Não me considero uma pessoa fria, mas acho que, por ser médico e ter de lidar com tantos dramas, nunca fui de deixar transparecer minhas emoções. Mas, naquele dia, fiquei comovido.
Quando cheguei em casa depois do trabalho, voltei a me sentir eu mesmo. Pela primeira vez desde o acontecido, consegui esquecer a minha condição. Tinha passado algumas horas tão concentrado no trabalho que era como se eu estivesse num filme, e, neste filme, eu era exatamente como antes. Depois de tantos meses, voltei a me sentir feliz.
No dia 15 de novembro de 2008, dei mais um grande passo. Voltei a operar. O paciente tinha uma fratura no pé esquerdo. Chamei um cirurgião amigo para me acompanhar e assumir a cirurgia caso eu não tivesse condições de fazer. O nervosismo foi grande, mas a operação foi um sucesso e a sensação de realização maior ainda.
Faço terapia ocupacional e fisioterapia toda semana e já estou começando a recuperar o movimento das pernas. Voltei também a estudar e estou fazendo mestrado em Engenharia Biomédica. Hoje, sou o único ortopedista do mundo a operar em uma cadeira de rodas. Nem sei dizer qual dos dois dias – se o dia em que voltei ao trabalho ou o dia em que voltei a operar – foi o mais feliz da minha vida. O trabalho é tudo.
LIDIO TOLEDO FILHO