Todos conhecemos alguém – talvez mais de um alguém – cujo bombardeio constante de negatividade aumenta o estresse de sua vida. Parece que algumas pessoas
Redação | 1 de Maio de 2020 às 01:01
Todos conhecemos alguém – talvez mais de um alguém – cujo bombardeio constante de negatividade aumenta o estresse de sua vida. Parece que algumas pessoas prosperam buscando o lado ruim em vez do lado bom.
Escutar um reclamão crônico falar sem parar sobre qualquer coisa (e sobre tudo) pode ser estressante, ainda mais se você não descobrir um jeito de fechar a torneira da negatividade. Mas há maneiras de fazer um reclamão reduzir o ritmo sem ofender, o que pode levá-lo a começar a reclamar de você.
Até as pessoas mais gentis e educadas reclamam. Os pesquisadores estimam que, em média, todos nós – homens ou mulheres, novos ou velhos – exprimimos insatisfação de 15 a 30 vezes por dia. “A diferença [entre os grupos] não é quantitativa, é qualitativa”, diz Robin Kowalski, professora de Psicologia da Universidade Clemson, na Carolina do Sul, uma das primeiras pesquisadoras a estudar a reclamação. “Pessoas com mais de 70 anos, por exemplo, diferem das pessoas de 30 no tipo de queixas, mas não na quantidade delas; simplesmente, reclamam de outras coisas.”
Nem toda reclamação tem impacto negativo. Alguns reclamam para obter resultados, porque se cansaram do parceiro que toda noite chega em casa atrasado para jantar. Outros se queixam para provocar conversas ou estabelecer laços com pessoas que não conhecem bem. “Se o tempo está ruim e você reclama disso com um vizinho ou alguém que passa na rua, ninguém vai discordar”, explica Dian Killian, de Nova York, treinadora do Centro de Comunicação Não Violenta que dá um curso para ajudar as pessoas a lidar com reclamões crônicos. “É fácil concordar com isso.”
As pessoas também usam a reclamação para confiar nos outros, o que pode aprofundar os relacionamentos. “É como se o outro dissesse: ‘Uau, essa pessoa confia em mim para me contar essa informação!’”, diz Kowalski. “Há
algo estimulante em saber que o outro lhe confia uma revelação sobre si mesmo.”
Muita gente que reclama com frequência não percebe que faz isso. Reclamar pode se tornar o seu padrão, para o desespero de todos à sua volta. “As razões da reclamação crônica diferem muito entre as pessoas”, informa Ruut Veenhoven, professor emérito de condições sociais para a felicidade humana da Universidade Erasmus de Rotterdam, nos Países Baixos. “Para alguns, pode ser uma profunda autojustificativa. Para outros, um mero puxador de conversa superficial.”
Durante anos, Janice Holly Booth suportou as prolongadas reclamações da mãe sobre as dores que sentia. Ela achava que as excessivas queixas maternas arruinavam a qualidade das conversas e acabou se abrindo com ela. “Eu disse: ‘Mãe, sei que provavelmente não percebe, mas você passa os primeiros vinte a trinta minutos de qualquer conversa reclamando de como se sente. Você tem de perceber que ninguém quer saber disso’”, conta Janice. “Ela fez objeção, e eu disse: ‘Então vamos anotar as vezes daqui para a frente.’”
“Quando nos sentávamos para conversar, eu puxava um papel e, quando ela começava a se queixar das recorrentes infecções urinárias e da dor nas costas e me via escrevendo, percebia e parava de reclamar. Por fim, ela fez um belo esforço para mudar.”
Algumas pessoas, conscientemente ou não, transformam as reclamações em modo de vida e se lamentam não só do que está errado, mas também do que poderia dar errado. Essa pode ser uma técnica para chamar a atenção ou um modo de pôr a culpa nos outros. “Quando algo vai mal, essas pessoas afirmam ‘É assim mesmo’”, explica Charles Martin-Krumm, professor de Psicologia Social da Escola de Psicólogos Praticantes de Paris. “A pessoa diz que tudo vai dar errado, mas, na verdade, é uma estratégia para evitar
as emoções que sentiria se realmente fracassasse.”
Alguns reclamam consciente e regularmente e, em geral, nunca ficam satisfeitos com nenhuma sugestão para resolver o problema sendo abordado. “Aos reclamões que rejeitam ajuda, não é possível oferecer nenhuma solução em que já não tenham pensado”, alerta Kowalski. “Enquanto ganharem atenção, mesmo que seja atenção negativa, está ótimo.”
Os reclamões crônicos costumam se repetir e resmungar várias vezes sobre os mesmos problemas. “Isso, aliás, é uma indicação de que também têm necessidade de serem ouvidos”, diz Killian. “É um tipo de coisa contraintuitiva que nós, seres humanos, fazemos: quando precisamos ser ouvidos, nos repetimos, falamos mais alto, às vezes ficamos mais enfáticos. Em geral, essas estratégias não são bem-sucedidas, mas parecem embutidas ou culturalmente aprendidas, pelo menos na cultura ocidental.”
Os reclamões crônicos podem ser pessimistas, e algumas pesquisas mostram que os pessimistas podem ter mais probabilidade de apresentar doenças crônicas, como cardiopatia ou diabetes. Mas, em geral, o efeito da reclamação crônica sobre a saúde é mais sentido por quem é obrigado a escutá-la. É estressante ser submetido à torrente de negatividade, e, com o tempo, o bombardeio afeta uma área do cérebro relacionada à memória e ao aprendizado. “Não há dúvida de que os estressores cotidianos atuam sobre o funcionamento do hipocampo”, diz Robert Sapolsky, professor de Neurologia da Universidade Stanford, que estuda o efeito do estresse crônico. “Meia dúzia de horas de estresse ou de exposição aos hormônios do estresse e o hipocampo, além de não receber tanta glicose e oxigênio que deveria, também não aprende.”
Caso perceba que se queixa demais e queira reduzir o hábito, fique atento à tendência e esforce-se para reduzi-la. É mais difícil quando queremos refrear o hábito de reclamar dos outros para que nossa vida fique menos estressada, mas há soluções:
Alguns reclamões mudam de comportamento se você levar a conversa numa direção que lhes interesse. Se ele estiver reclamando da companhia telefônica, fale do telefonema inesperado que você recebeu de um velho amigo. Se estiver reclamando do chefe, pergunte se soube do novo funcionário. “É a falta de consciência: a pessoa só está desabafando sem pensar”, diz Kowalski. “Usar a distração é uma ótima ferramenta. E continue usando; não tente uma vez só. Tire a pessoa do foco onde está.”
Caso fique repetindo o mesmo comentário enquanto desabafa, talvez o reclamão pare se você demonstrar que está escutando, pois é possível que ele simplesmente queira atenção e compreensão. “Diga: ‘Ei, notei que estou ouvindo você dizer coisas que disse á alguns minutos… Posso lhe explicar o que já ouvi para você saber que entendi?’”, sugere Killian.
Para usar essa técnica, fale em primeira pessoa, como “Estou ouvindo você dizer coisas”, em vez de usar “você”, como em “Você fica se repetindo”, porque isso mostra que você está interessado em entender o que o queixoso disse, e não em calá-lo.
Depois da paráfrase, pergunte se entendeu os pontos principais. Isso pode manter a conversa e permitir que você discuta o subtexto ou as possíveis soluções, em vez de escutar o mesmo comentário várias vezes.
Quando alguém lhe contar seu problema mais recente, pergunte o que a pessoa fez para resolver. Essa não é a direção comum tomada por uma conversa cheia de reclamações e pode dar um fim inesperado às queixas. “Em geral, para o reclamão crônico a questão não é encontrar uma estratégia para resolver o problema; a pessoa só quer continuar falando e se queixando”, diz Kowalski. “Quando alguém rompe o padrão e pergunta ‘Bom, o que você fez para resolver isso?’, o reclamão é pego no contrapé, o que costuma fazê-lo parar. Você o está confrontando, mas não dizendo que ele é um reclamão crônico. Você o está fazendo parar, como se dissesse: ‘Tudo bem, então me conte o que fez’.”
Quando tiver coisas a fazer, diga ao reclamão que terá de interromper a conversa. Por exemplo, se um prazo estiver para terminar e o colega reclamão aparecer, peça desculpas com educação e diga que tem de concluir sua tarefa.
Mas você não precisa de uma desculpa tangível – como uma tarefa a cumprir – para escapar do reclamão. Também é possível ser franco sobre a necessidade de preservar a sua saúde mental, principalmente se for alguém que já se queixou muitas vezes.
“Use a chamada ‘expressão sincera’: uma observação, um sentimento, uma necessidade e um pedido”, exemplifica Killian. “Estou ouvindo você dizer que está muito irritado com [a grosseria do vizinho] e acho que já ouvi você falar disso, digamos, umas dez vezes, talvez mais. E estou bastante frustrado e confuso. Quero entender melhor [pois já disse muitas vezes que também não gosto dos vizinhos]. O que você realmente quer? O que o ajudaria a se sentir mais calmo e relaxado quanto a isso? Afinal, quero realmente desfrutar nosso tempo juntos.”
Quando alguém próximo – o cônjuge, um irmão ou o melhor amigo – o estressa com reclamações constantes, talvez esteja na hora de falar do problema; se reprimir seus sentimentos e continuar escutando as queixas repetidas, você pode se ressentir ou começar a evitar a pessoa. Aborde o tema com gentileza. “Fale dos efeitos que essas reclamações constantes causam a você e não aponte o dedo para o outro”, adverte Kowalski. “Você estará reconhecendo o comportamento do outro, mas se colocando no centro do problema e não acusando: ‘Você está fazendo x, y ou z’.”
Tente não usar a palavra “reclamar” quando falar com o reclamão. “Essa é uma palavra carregada de conotações negativas”, diz Kowalski. “Eu abordaria a pessoa dizendo: ‘Parece que você tem estado muito insatisfeito nos últimos seis meses (ou dois anos). O que está acontecendo, e como fazer essa insatisfação diminuir?’ Afinal, ‘insatisfação’ é uma palavra bem menos pesada.”
A conversa sincera de Janice com a mãe sobre as queixas incessantes ligadas à saúde ajudou as duas a construírem um relacionamento mais íntimo. Depois que a mãe percebeu que reclamava com frequência excessiva, Janice obteve o que queria – menos queixas sobre a saúde da mãe – e a mãe também – conversas de qualidade com a filha.
“Agora, quando ligo para ela, a recitação das moléstias leva sessenta segundos em vez de vinte minutos, e vamos em frente”, diz Janice. “Eu lhe dou muito crédito por mudar deliberadamente de comportamento.”