A resiliência ajuda a enfrentar as adversidades da vida. Essa qualidade faz bem à saúde e pode levar a uma vida mais plena. E pode ser aprendida.
Raquel Zampil | 23 de Abril de 2020 às 19:53
Viver com alegria, apesar das adversidades, é possível e faz bem à saúde mental e física. Confira no artigo como cultivar a resiliência para viver uma vida mais plena:
Andrea*, uma mulher pequena e delicada, pintora e mãe em tempo integral, é casada e tem dois filhos em idade escolar. Ela perdeu a cabeleira longa e encaracolada por causa da quimioterapia, mas agora os cabelos voltaram a crescer. Primeiro ela recebeu um diagnóstico de câncer de ovário em estágio inicial, depois teve câncer de tireoide e ainda uma suspeita de câncer de mama que não se confirmou – tudo isso no período de um ano. Essa mulher normalmente animada e extrovertida tornou-se retraída, afastando-se dos amigos para enfrentar seu tratamento sozinha. Quando a vejo, ela parece esgotada e sempre desvia a conversa para sua saúde e os reveses que tem sofrido.
Marie* é divorciada, com dois filhos adolescentes. Antes da quimioterapia, tinha cabelos longos e cacheados. Estão crescendo de novo agora, mas ainda estão muito curtos para cachear. Marie teve uma forma muito invasiva de câncer de mama e recebeu um regime de tratamento mais intenso, o que a obrigou a trabalhar menos em sua clínica de acupuntura e bem-estar. Ela irradia positividade sempre que a vejo. Cercou-se dos amigos mais próximos, que às vezes a acompanham nas consultas médicas, e há pouco tempo participou de um retiro para melhorar sua atitude com relação ao diagnóstico.
Embora você possa esperar apenas circunstâncias felizes em sua vida, todos experimentamos dificuldades ou perdas de tempos em tempos. Felizmente, a adversidade pode nos deixar mais fortes.
“Existe uma diferença entre enfrentar a situação e ser resiliente”, explica o pesquisador Patrick Dolan, professor de sociologia da Universidade Nacional da Irlanda, em Galway. “O enfrentamento é o que fazemos no dia a dia. A resiliência nos leva um passo adiante.” Especificamente, pessoas resilientes se saem melhor que o esperado diante de grandes desafios, diz Dolan.
O estudo científico da resiliência remonta à década de 1940, quando pesquisadores começaram a examinar por que soldados da Segunda Guerra Mundial reagiam de formas diferentes a situações de combate.
“Foi isso que realmente levou os pesquisadores a analisar a ideia como um todo: por que algumas pessoas são resilientes em certas situações estressantes e outras não?”, comenta Dolan. Os pesquisadores descobriram que os homens que haviam passado por acontecimentos estressantes durante a adolescência – o que os ajudou a desenvolver habilidades de enfrentamento – eram mais propensos a serem adultos resilientes.
Esse parece ser o caso das duas mulheres. Andrea nunca tinha vivido qualquer tragédia ou decepção antes do diagnóstico, enquanto Marie havia passado por um divórcio difícil alguns anos antes. As experiências negativas de Marie podem tê-la preparado melhor para lidar com problemas.
Como diz o psicólogo e escritor Rick Hanson, da Universidade da Califórnia em Berkeley: “A resiliência é como um absorvedor de choque dentro de você. Se você constrói esse núcleo interno, inabalável, quando as ondas da vida vêm, elas não balançam tanto o seu barco. Nem o viram de cabeça para baixo. E você se recupera mais depressa.”
A boa notícia é que você pode aprender a ser mais resiliente à medida que envelhece, tenha ou não encontrado mares revoltos em sua vida.
Quando você chega aos 50 ou 60 anos, sem dúvida passou por momentos de estresse ou tragédia, como a morte de um ente querido, divórcio, dificuldades financeiras ou doença crônica.
“Existe uma coisa chamada ‘efeito de fortalecimento’ para nos tornar mais resistentes”, diz Michael Ungar, fundador do Centro de Pesquisa de Resiliência da Universidade Dalhousie em Halifax, Canadá. “Se vencemos a adversidade, isso significa também que desenvolvemos um conjunto de capacidades de enfrentamento. Sabemos como pedir ajuda. Ou sabemos que isso também vai passar.”
Com o tempo, pessoas resilientes desenvolvem a resistência mental para encarar o que a vida lhes impõe. Elas aprendem a enfrentar, até a viver com alegria, em circunstâncias adversas.
Eric Dabas, de La Garde, França, fraturou a coluna em um acidente de motocicleta aos 17 anos, o que lhe tirou os movimentos das pernas. Seu sonho de ser motorista de caminhão estava condenado. Durante anos ele morou com a mãe, sentindo-se completamente isolado. Aos 34 anos, porém, Eric buscou uma organização sem fins lucrativos que ajudava pessoas com deficiência a aprender a pilotar aeronaves. Por três anos ele voou como localizador de incêndio florestal voluntário. Em 2015, tornou-se o primeiro piloto profissional com deficiência da França.
Hoje, com 52 anos, Eric desfruta de um trabalho gratificante e de um círculo social significativo. “Não se passa um dia sem que eu ria ou me divirta”, diz ele. “Minha vida é muito mais interessante do que a que eu teria se tivesse me tornado motorista de caminhão.”
Dois estudos recentes descobriram que a resiliência pode ajudar a diminuir a dor, acelerar a recuperação de lesões e reduzir o risco de infarto e depressão. Um estudo de 2017, publicado no periódico Quality of Life Research, pesquisou mais de 3.300 pessoas com doenças raras. E descobriu que as resilientes tinham probabilidade significativamente maior de viver bem física e emocionalmente. Um estudo de 2015, publicado no periódico Psychology, Health & Medicine, descobriu que, quando expostas ao estresse, as pessoas que são resilientes mostram-se mais propensas a apresentar taxas mais altas do colesterol “bom” (HDL), menos gordura corporal e risco mais baixo de doença cardiovascular do que as não resilientes.
Ao contrário, pessoas não resilientes tendem a cair doentes. O Dr. Boris Cyrulnik, neuropsiquiatra, diz: “As pessoas ficam de fato mais doentes. Contraem vírus com mais facilidade e são mais propensas a desenvolver câncer e doença cardiovascular, incluindo infarto causado por emoções não trabalhadas”.
A resiliência é uma habilidade aprendida que se adquire com a experiência de vida. Vem de dentro, mas também é profundamente influenciada por fatores externos. “A maioria das pesquisas sobre resiliência mostra que a maior parte do que nos torna resilientes está fora de nós”, explica Ungar. Existem, porém, técnicas que podem ser empregadas antes e durante tempos difíceis que vão habilitá-lo a ser mais resiliente:
Não fique obcecado com o que poderia ter acontecido. Em vez disso, decida como melhorar suas circunstâncias ou atitudes atuais. Experimente uma nova estratégia de enfrentamento, sugere o pesquisador da resiliência Odin Hjemdal da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia. “Pergunte-se: O que estou fazendo no momento atual? Isso me faz me sentir melhor ou pior?” Se estiver pior, então tente fazer outra coisa. Caso seja difícil afastar esses pensamentos, eduque-se para tratá-los como transitórios. “Se você está pensando sobre o casamento que acabou e em todas as coisas que poderiam ter se concretizado, diga a si mesmo: Tenho esses pensamentos. Esses pensamentos sempre me deixam pra baixo. Agora, posso ir em frente e fazer o que planejo fazer?”
“É tudo uma questão de tentar se ajustar à nova vida”, diz Hjemdal. “Se ficar sempre pensando na sua vida antiga, nos planos que tinha e em como acreditou que sua vida viria a ser, você pode acabar muito infeliz.”
É importante ter empatia – não só em relação aos outros, mas em relação a si mesmo. “Um fator essencial para ser resiliente é não se culpar despropositadamente”, diz Dolan.”Muitas pessoas que sofreram antes na vida acham que estão erradas e se culpam”. Em vez de tentar lutar contra os sentimentos dolorosos, aceite que está vivendo um momento doloroso; que é parte da experiência humana. Depois, acolha a si mesmo com compaixão, do jeito que acolheria um amigo que está passando por um momento de dor.
Pesquisas mostram que pessoas resilientes são menos isoladas socialmente. Uma pessoa de luto vai ser mais ou menos resiliente dependendo se tem uma rede social forte. “Em qualquer relacionamento, um dos parceiros vai morrer primeiro”, afirma Dolan. “É fundamental para quem fica ter outras pessoas na vida, em termos de amizades. O apoio social que recebemos continuamente na verdade ajuda a nos capacitar para sermos resilientes.”
Algumas situações fogem ao seu controle. Mas quando sua atitude pode ajudá-lo a melhorar uma situação, tire vantagem disso. “Você pode convocar um senso de determinação ou força para lidar com coisas difíceis”, diz Hanson. “Essa oportunidade de crescer está sempre disponível, mesmo nos momentos mais difíceis. Nós conquistamos nossa felicidade, em grande parte. Conquistamos os músculos mentais que desenvolvemos à medida que seguimos pela vida.”
Marie anuncia quando tem uma sessão de quimioterapia próxima e pede às pessoas que rezem por ela. Ela também agradeceu a todos os seus muitos amigos por ficarem à disposição e apoiá-la durante esses tempos difíceis… e por lhe permitirem reclamar quando ela precisa desabafar sobre os tratamentos, escrevendo: “Estou tão contente por ter pessoas que não precisam que eu esteja feliz o tempo todo, que sabem que, se eu me lamentar, serei breve. Forçar a si mesmo a ser positivo o tempo inteiro é exaustivo e não proporciona acolhi- mento às pessoas. Se temos medo de sermos verdadeiros, como podemos nos sentir amados?”
“Você não precisa ter tido uma vida muito estressante para ser resiliente na velhice”, diz Dolan. “Não importa sua idade; você ainda pode aprender os mesmos mecanismos.”
*Os nomes das mulheres foram trocados para proteger a privacidade.
Por LISA FIELDS