As histórias de superação geralmente tão usadas para apoiar a meritocracia têm tomado conta das redes sociais. Mas você já refletiu sobre o assunto?
Redação | 13 de Maio de 2019 às 16:00
Falar sobre superação geralmente envolve uma história triste, de uma pessoa muito sofrida que apesar de todos os problemas e percalços conseguiu superar as piores adversidades e “vencer” na vida. O cinema hollywoodiano e os livros de autoajuda estão repletos de exemplos muito emocionantes e bem contados de histórias de pessoas que superaram o que a maioria consideraria impossível.
Além de tocar profundamente as emoções dos espectadores, essas histórias têm o poder de dar esperança através de uma catarse com as mazelas de suas vidas. Elas mostram que, com um pouco de persistência e muito mérito, pode-se mudar qualquer situação por mais adversa que ela seja.
Nesse ponto nos encontramos em uma encruzilhada filosófica que suscita inúmeras discussões e muitas paixões, principalmente no mundo em que vivemos hoje, dividido entre as conquistas sociais e os lucros capitais.
A superação é utilizada como uma “vitrine” publicitária em que o indivíduo se identifica através do mérito. Se trabalhar duro, persistir e souber aproveitar as oportunidades, ele terá tudo o que o mundo material puder lhe oferecer. Contudo, na maioria das vezes, os indivíduos trabalham a vida toda, persistem e enfrentam as maiores adversidades, mas as oportunidades nunca chegam.
Ao mesmo tempo, uma pequena porcentagem que consegue tem suas histórias transformadas em narrativas homéricas de como o esforço pessoal muda qualquer realidade. O paradoxo reside justamente nessa interpretação. Como colocar todos os indivíduos submetidos a uma mesma realidade, como se estivessem em uma prova de atletismo, em que todos começam a “corrida” do mesmo ponto de partida?
Essa ideia do mérito, além de transformar a vida em uma competição, ainda pressupõe que, por mais diversas e discrepantes que sejam os contextos de vida dos indivíduos, eles percorrem uma mesma trajetória de oportunidades.
O que estamos discutindo aqui não é o valor que essas pessoas que superaram uma vida de privações e atingiram seus objetivos têm ou não, mas sim como essas histórias são utilizadas para colocar a culpa de qualquer eventual fracasso única e exclusivamente sob a responsabilidade do indivíduo. E isso é um erro.
Criamos a frustração de “não ter dado certo” ou da “falta de sorte”, em uma vida que muitas vezes teria outras potencialidades. E essa responsabilidade não cabe somente ao indivíduo, mas deve ser compartilhada principalmente pela sociedade que o cerca. Foi esse grupo social que de alguma maneira julgou que as habilidades apresentadas por ele não lhe eram úteis. Dessa maneira, ele deveria ficar à margem e dar espaço a quem realmente o “merecia”.
Superar as dificuldades da vida é uma condição inerente a qualquer ser humano que acorda todos os dias. Não é uma grande novidade, pois todos estamos sujeitos a ela, mesmo quando a situação é extremamente desfavorável. Essa condição não deveria fazer daqueles que conseguiram mais orgulhosos, nem dos que não tiveram sucesso, mais submissos. Essa condição deveria nos fazer mais solidários, mais atentos aos problemas e às dificuldades dos outros, que na verdade são também os nossos.
Não tiremos o mérito daqueles que o têm, mas também não condenemos ao fracasso aqueles aos quais a sorte não sorriu.