– Fica mais fácil acharem – disse ele. – Eles precisam ficar à vontade. Afinal de contas, eles vêm comer.
Será possível ter ciúmes de passarinhos? Eles atraíam mais a atenção do meu marido do que eu. Comecei a olhar os pombos com raiva e a murmurar pragas contra o corvo barulhento.
– Você está me ofuscando – sussurrei para o pombo que arrulhava.
Certa manhã, quando meu marido não estava em casa, sentei-me em meu cantinho para tomar um café. Meu pai estava no hospital, e eu, cheia de trabalho, com prazo prestes a vencer. A desesperança da vida tomava conta de mim. Limpei as lágrimas com raiva e fitei o comedouro de pássaros.
Alguém inclinou a cabeça em torno do comedouro. Era meu amigo, o papagaio. Ou melhor, o amigo de meu marido. Bem, azar o seu, colega, pensei. Hoje, sou só eu para você aguentar.
Ele me fitou. Eu o fitei de volta. Cheguei mais perto, mas ele não se mexeu. Continuou a comer aos pouquinhos no comedouro enquanto eu me aproximava devagar. E, quando consegui vê-lo bem de perto com seus magníficos atavios, ele me olhou de esguelha, meio irritado. Mantenha distância, ameaçou.
Dessa vez eu lhe dei ouvidos. Observei o pássaro comer e encher a barriga.
Imaginei seu prazer. Senti seu contentamento. Se fosse capaz de rolar de costas e esfregar a barriga, ele o faria.
Era uma alegria tão simples. Uma bondade tão simples. Sorri, enquanto sentia que lágrimas novas ameaçavam se derramar.
Naquela noite, aconcheguei-me ao homem ex-rabugento e segurei sua mão com força.
– Está tudo bem? – perguntou ele.
– Está – sussurrei. – Dividi uma refeição com seu amigo hoje.
Ultimamente, meu marido sorri mais e resmunga menos. Agora ele olha as árvores do bairro e fala que são muito importantes.
– Para os pássaros, você quer dizer? – Para nós – responde ele baixinho. E talvez seja isso.
A gente chega a um estágio na vida em que anseia fazer algo novo, algo bom. Retribuir. Encontrar-se. Redescobrir o amor. Para viver melhor.
Alguns alimentam um hobby. Outros fazem doações para a caridade ou se voluntariam para ensinar. Os ricos podem fazer refeições complicadas ou uma viagem a alguma cidade exótica, para praticar bungee-jump ou aprender mandarim.
Meu marido não fez nada disso.
Mas se encontrou mesmo assim. E, com isso, nos encontrou. Tudo o que ele fez foi entrar na internet e encomendar um feio comedouro de pássaros. E isso fez toda a diferença.