Nossa infância não foi tão perfeita como gostamos de lembrar, mas a nostalgia nos faz enxergar somente o lado bom do passado.
Redação | 22 de Junho de 2019 às 09:00
Como falar de infância sem mencionar que existe a palavra nostalgia que, por definição simples, é a “saudade de algo que aconteceu no passado” ou do passado como um todo. Em alguns casos ela pode vir acompanhada de certa melancolia.
Para muitos a febre da nostalgia começou com o e-mail, ou, melhor ainda, com o Power Point. Sim, essa mágica ferramenta do Windows que nos permite criar “belíssimas” apresentações em slides, com efeitos animados e música. As primeiras correntes intituladas “brinquedos dos anos 80″ começaram a pipocar em caixas de entrada no começo dos anos 2000. Há as que se referem aos anos 1960, 1970 etc.
Quão fantástica não foi a sensação de rever o boneco Fofão ou da Moranguinho, as molas coloridas que desciam escadas, Ataris & Mega Drives & Sega Saturnos & Super Nintendos, ioiôs da Coca-Cola e o não tão idoso assim, Tamagochi? Haja coração.
Depois, vieram as listas, como a produzida pelo site BuzzFeed, intitulada: “44 pequenas tragédias que só quem viveu no Brasil nos anos 1980 vai entender”. Eis alguns tópicos:
A fita do Atari não funcionava nem depois de você soprar.
Tanto os slides quanto as listas são, além de resgates da memória afetiva, tentativas de mostrar que a nostalgia que sentimos da infância é impossível de evitar.
Em pouco tempo teremos pipocando em nossas timelines as listas produzidas pelas crianças de hoje que, saudosas, evocarão Justin Biebers e afins, dirão coisas como “lembra como ‘A hora da aventura’ era o melhor desenho do mundo?” (Caverna do Dragão). Compartilharão imagens dos bonecos do Ben 10 em suas caixinhas de plástico que não esfarelam como as de papelão de décadas passadas, mas, ainda assim, terão se tornado artigos “vintage”. E por que é tão importante para nós reviver a infância?
Segundo o psicólogo americano Kevin Leman, autor do livro O que as lembranças de infância revelam sobre você (Ed. Mundo Cristão), os registros que ficam dos nossos primeiros anos de vida influenciam a pessoa que nos tornamos. Afinal, elas são essenciais para desvendar nosso verdadeiro eu e para cultivar relações mais saudáveis. Segundo Leman, essas memórias “permitem enxergar por trás de todas as fachadas e defesas, chegando ao fundo daquilo que a pessoa realmente é e não quem ela está tentando ser”.
É claro que a nossa infância sempre parecerá melhor do que a que vivem as crianças de hoje. Portanto, a nostalgia funciona como uma espécie de verniz sobre aquilo que vivemos, fazendo com que as experiências do passado quase sempre sejam vistas apenas pelo lado positivo. Ninguém se lembra de como eram frágeis os brinquedos. E também do quanto era difícil encontrá-los nas lojas. Eram poucas as opções de diversão para crianças nos anos 1980. Os problemas na escola desaparecem, a chatice dos pais torna-se parte do “ecossistema” de formação moral e social. As coisas que não pudemos fazer hoje vemos como mera contingência imposta pela época. E, por isso, sentindo nostalgia: nada seria mudado..
Mas a memória cria armadilhas e precisamos estar atentos, pois, crianças misturam fantasia e realidade. Se quisermos saber se tal memória corresponde ao que foi vivido, a dica é confirmar com quem estava lá. Sobretudo, mãe, pai, tio, amigos; muito embora cada um vá apresentar uma versão leve ou radicalmente diferente do mesmo fato. Cada um com seu ponto de vista, mas cabe a você reunir esses trechos de informação e tirar o saldo. “Tudo está ligado à lógica particular de cada pessoa”, explica Leman. Ao descobri-la, você então pode alterá-la a seu favor.
A compreensão das lembranças da infância, de acordo com o psicólogo, não apenas explica ações e reações no presente, como ajuda a direcionar comportamentos futuros. “Isso vai permitir avaliar, por exemplo, as marcas que seus filhos estarão carregando para a vida adulta. Aliás, fará com que você não desconte seus traumas neles”, diz Leman. Não se trata, portanto, de remoer o passado, mas de aprender a se relacionar com ele de maneira saudável, tornando-se uma pessoa mais serena e madura.