Confira essa crônica de Rita Lobo sobre amizades com ex-namorado. E pergunte a si mesmo: você ficaria amiga de um ex-namorado?
Sempre achei curioso ex-namorados que permanecem amigos. Pessoalmente, preferia que os meus tivessem morrido. Ok, morrido não, mas mudado de continente, ou pelo menos de país. Como é que alguém consegue digerir a frustração de um relacionamento que não deu certo? Com tantas pessoas no mundo, por que ficar amiga justamente de um ex-namorado? Além do mais, não há como não haver constrangimento quando surgir um novo amor.
O fato é que, independentemente de quem tenha terminado, de quantos anos tenham se passado, sempre me sinto derrotada diante da existência de um ex-namorado.
Minha amiga Fernanda e eu estávamos passeando perto de casa, quando a vitrine de uma loja de sapatos nos obrigou a entrar. Era uma sapatilha dourada que nós duas precisávamos ter.
Meu ex-namorado
Pedi à vendedora que trouxesse dois pares para mim, sendo um 37 e o outro 38. Claro que o menor ficou pequeno e o maior gigante. Quando é que vão começar a investir nas pessoas que não calçam número cheio? Aposto que, como eu, milhares de mulheres calçam 37,5. Enquanto conversávamos, uma mulher, sentada na nossa frente, à espera de um par de calçados, perguntou: “Rita?”
Fiquei olhando com ar de interrogação, tentando reconhecê-la. Quatro, cinco, seis segundos e nada. “Eu sou a Ana Maria, irmã do Renato. Você está tão diferente de cabelos curtos, demorei para te reconhecer.” Renato foi o meu último ex-namorado. Aliás, ainda éramos namorados quando conheci Roberto. Mas não comecei a namorar Roberto enquanto namorava Renato. Não por algum tipo de pudor, apenas começamos a namorar uns meses depois. Mas essa é outra história. Um dia, o namoro acabou. Eu terminei e ele aceitou. Que imbecil! Como pôde me perder?
“Nossa, eu também não te reconheci… Você voltou para o Brasil?” Ela conta que sim, que, depois de Chicago, morou em Paris, depois em Milão, depois em Roma e, quando engravidou, ela e o marido – como chamava o marido? William, é William o nome dele – decidiram voltar para São Paulo. Digo que a mãe dela deve estar babando. Ela concorda e acrescenta que o “avô” também.
Conto que também tenho filhos. Ela responde que sabia que eu tinha um filho. Respondo que tenho dois… Até então, não havia perguntado sobre o irmão dela, mas a eterna sede de vingança enxergou naquele momento uma oportunidade. Eu sabia que ele tinha casado e que estava tentando ter filhos há algum tempo.
“Mas me diga, e o seu irmão, teve filhos?” E ela responde como esperado: “Não, ainda não.” E emenda: “mas ele tem um cachorro que é tratado como filho!” A bola ficou quicando por no máximo dois segundos. “Ah!, então está na hora mesmo de ter um bebê, não?”
Confesso que uma pequena, tão pequenina e insignificante maldade foi capaz de me trazer uma enorme satisfação. De repente, a sapatilha dourada nem estava tão apertada. Talvez a minha pequenez tenha diminuído o meio-ponto do meu pé. Nos despedimos, puxei a Fernanda e fomos em direção ao caixa. Decidi comprar a sapatilha que me possibilitou pisar na minha sensação de derrotada. “Mas você não disse que ficou apertada?”
Respondo para Fernanda que sim, mas só um pouquinho e, de qualquer maneira, aquela sapatilha é um clássico: se eu não usar, a Dora vai. “Mas espera um pouco? Quanto a Dora calça?” Explico que algum dia ela vai calçar 37. A minha filha usando as minhas coisas, esse simples pensamento, faz com que eu me sinta, de verdade, vitoriosa. Ando em direção à porta, me despeço de Ana Maria abanando a mão e tento deixar para trás qualquer ressentimento, pelo menos, até a próxima oportunidade.
Por Rita Lobo