Minha bisavó foi batista a vida inteira. Mãe Ollie, como a chamávamos, também assistia à missa na igreja católica da minha família em Birmingham, mas
Redação | 1 de Novembro de 2020 às 08:00
Minha bisavó foi batista a vida inteira. Mãe Ollie, como a chamávamos, também assistia à missa na igreja católica da minha família em Birmingham, mas nunca se afastou de sua adesão silenciosa aos costumes King James de sua juventude.
Todos os domingos, depois da igreja, ela voltava direto para o quarto. Nos outros dias estava sempre ocupada – debulhando ervilhas ou feijões, fazendo crochê ou costurando. Sua Singer de pedal foi usada diariamente, com exceção dos domingos, até algumas semanas antes de sua morte em 1982.
Quando fui pedir sua ajuda para um projeto de frivolitê numa tarde de domingo, descobri o porquê. Frivolitê é uma espécie de renda feita de nós minúsculos amarrados com uma linha muito fina.
O truque é fazer o tipo certo de nó sem embaraçar a linha no tipo de nó errado, mas eu tinha feito tantos nós errados que nem conseguia descobrir como desfazer o emaranhado e começar de novo. Encontrei-a sentada numa cadeira, a Bíblia no colo.
O livro era muito antigo, as bordas tão gastas que se curvavam para dentro, e era macio como um filhotinho de cachorro. Bati na porta aberta.
– Mãe Ollie, poderia me dar uma ajuda?
– Hoje não, querida – respondeu ela. – O Senhor nos diz para não trabalharmos no sabá, o dia de descanso.
E trabalho manual, como já diz o nome, é trabalho. Não conheço mais ninguém que tire o domingo de folga. Se não estamos fazendo um trabalho profissional, estamos fazendo o trabalho doméstico que não será feito quando a segunda-feira chegar.
Mas não é como se o mundo também tivesse parado no domingo no Alabama.
As colheitas – e as ervas daninhas – nos campos do meu avô continuavam a crescer, qualquer que fosse o dia. Minha avó era professora, e tinha trabalhos para corrigir e aulas para planejar. As ervilhas na cesta da varanda dos fundos não se debulhavam sozinhas.
Mesmo assim, minha família deixava de lado o trabalho no domingo para tirar uma soneca no sofá ou balançar-se na cadeira de balanço da varanda.
Eles não se perguntavam, como eu, se podiam “se dar ao luxo” de descansar. Deus os obrigava a descansar, e assim o faziam.
Hoje, existe muita gente para quem esse tipo de descanso religioso não é uma opção. Pessoas que trabalham em turnos duplos – ou empregos duplos – não podem mesmo se dar ao luxo de parar. Por outro lado, eu poderia reorganizar minha vida se tentasse.
Poderia me concentrar nas prioridades, gastar menos tempo nas coisas que importam menos para mim e reservar mais tempo para as mais importantes. Mesmo assim, cheguei aos 57 anos sem sentir qualquer obrigação de ficar sem fazer nada.
Isso mudou um dia, ao retornar de uma turnê de lançamento de um livro.
Adoro conhecer pessoas do mundo dos livros, de todo o coração, mas, ao
fim da turnê, todo o meu corpo começou a se rebelar. Sentei-me no sofá com meu laptop, planejando começar a ler os 90 milhões de e-mails que se acumularam na minha ausência, mas, em vez disso, adormeci.
Experimentei a poltrona ao lado do sofá sem melhores resultados. Quando me peguei olhando para o único lugar vazio em minha mesa de trabalho como um bom lugar para recostar a cabeça, dei-me por vencida e voltei para a cama, acordando pouco antes do jantar.
Depois, dormi por mais 11 horas. Nada nos dez mandamentos identifica
qual dia da semana deve ser o sabá (a maioria das religiões elege o
sábado ou o domingo). O principal é descansar.
“Lembra-te do dia do sabá, para o santificar”, diz a Bíblia da Mãe Ollie. “Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é do Senhor, teu Deus; não farás nenhuma obra.”
Ler esses versículos novamente me fez imaginar: e se descansar, por si só, for o verdadeiro ato de santidade?
E se honrar o presente que é nossa única vida neste mundo maravilhoso significar reservar um tempo toda semana para desacelerar? Dormir? Respirar?
O mundo nunca precisou de nós mais do que precisa agora, mas não
podemos ser muito úteis se permanecermos em um perpétuo estado de
exaustão e desespero.
No dia seguinte, nem tentei trabalhar.
Caminhei ao redor do Lago Radnor, em Nashville, onde moro, a melhor maneira possível de comemorar um dia de descanso. As temperaturas haviam finalmente caído, as chuvas por fim chegaram e a região central do Tennessee estava nos presenteando com belos dias de outubro, um após o outro.
No Radnor, as calicarpas cintilavam em toda a sua maturidade roxa,
e as ásteres e as aristolóquias ainda estavam em flor. Atrás de sua mãe,
um cervo pastava, as manchas da infância em seu pelo começando a
desaparecer.
Uma grande garça azul estava parada sobre uma árvore caída na beira d’água, alisando cada pena úmida e colocando-a no lugar. Um tronco caído junto da trilha ostentava uma colheita gloriosa de cogumelos, e as vagens das trepadeiras estavam maduras e prontas para explodir.
Na beira do lago, o som de um grilo solitário ergueu-se do novelo de vegetação ao lado de um dos mirantes.
Sua canção era tão bela e inspiradora quanto qualquer hino.