Perdoar faz bem tanto para quem é perdoado quanto para quem perdoa. Saiba como isso se reflete não só na saúde da mente, mas também na do corpo.
Redação | 6 de Setembro de 2018 às 13:00
Durante semanas, Karsten Mathiasen, 40 anos, foi dominado pela fúria. Meses antes, a esposa desse diretor de circo dinamarquês o abandonara para morar com outro homem. Cheio de ódio pelo novo companheiro da mulher, ele passava as noites acordado, com uma crescente dor de estômago e pensamentos raivosos. Sem conseguir perdoar, começou a beber à noite para conseguir dormir.
Finalmente, a preocupação com os dois filhos pequenos convenceu Karsten a conhecer esse homem de quem sentia tanta raiva. Quando os dois se encontraram num café de Copenhague, Karsten percebeu que perdoaria o novo parceiro da mulher. Em vez de apenas uma xícara de café, os dois tomaram várias e passaram horas conversando.
Na volta para casa, Karsten se espantou ao perceber que a tristeza e a raiva tinham sumido. Mais do que isso: ele se sentia fisicamente bem pela primeira vez em meses. Dormiu como um bebê naquela noite e acordou com a mente clara e o corpo relaxado. “O perdão foi um grande presente que dei a mim mesmo”, diz Karsten.
Costumamos pensar no perdão como algo que fazemos pelo bem dos outros, mas algumas pesquisas mostram que não é bem assim. “Quem se dedica ao perdão passa por alterações na fisiologia”, diz o Dr. Robert Enright. Fundador do International Forgiveness Institute, ele pesquisa a força de perdoar há três décadas. “O perdão ajuda o indivíduo a se livrar da chamada raiva tóxica”, diz ele. “O tipo de raiva que pode literalmente matar.”
Num estudo publicado em 2009, Enright e sua equipe examinaram o efeito do perdão em pacientes cardíacos. Verificaram que os participantes que perdoavam melhoravam o fluxo sanguíneo no coração, mesmo após quatro meses do ato de perdoar.
Em termos fisiológicos, esses achados fazem sentido. Quando pensamentos de raiva e vingança invadem o cérebro, as duas metades do sistema nervoso autônomo são ativadas: tanto a simpática, que nos estimula, quanto a parassimpática, que nos acalma. Pense na primeira como o pedal do acelerador do carro e na segunda como o freio. O que acontece quando se pisa com força no freio enquanto se acelera? São essas as mensagens confusas e estressantes recebidas pelo corpo e pelo coração de quem vive ressentido.
“Perdoar é uma reconfiguração: é ver o incidente por uma lente mais ampla, com mais compaixão.”
E não é só o coração que pode se curar. Um estudo de 2011 apresentado à Sociedade de Medicina Comportamental, nos Estados Unidos, mostrou que o perdão ajuda a aliviar a insônia. Já outro estudo realizado no Centro Médico da Universidade Duke, na Carolina do Norte, também nos EUA, verificou que o perdão pode fortalecer o sistema imunológico de portadores do HIV.
Pouca gente entende o perdão melhor do que Marina Cantacuzino. Ex-jornalista, Marina é fundadora do The Forgiveness Project, um site e uma série de exposições com histórias do mundo inteiro, inclusive a de Rosalyn, para explorar os limites e as possibilidades do perdão. “Perdoar não é concordar nem desculpar”, explica ela, desfazendo o mito de que perdoar significa dizer que o acontecido foi aceitável.
Outra concepção comum e errada é que o perdão exige reconciliação com o ofensor: não, não exige. É possível perdoar e não retomar o relacionamento. Na verdade, o perdão exige uma reconfiguração do passado para que se possa ver o incidente e o ofensor através de uma lente mais ampla, com mais compaixão.
Marina Cantacuzino também diz que oferecer perdão não significa abrir mão do direito de justiça. É possível perdoar alguém que terá de ir preso ou pagar pelo que fez. Inclusive, uma de suas definições favoritas veio de um presidiário: “Perdoar é abandonar a esperança de um passado melhor.”
“O perdão pode assumir muitas formas, mas, no aspecto mais básico, perdoar é oferecer bondade a quem nos feriu.”
Os especialistas são inflexíveis: não existe um caminho específico para o perdão. “É diferente para cada um”, alerta Marina Cantacuzino. Com o passar dos anos,, segundo ela, alguns se sentem desgastados pelo ódio e pelo medo e decidem mudar. Outros conhecem alguém parecido com o ofensor ou passam por algo que os leva a repensar a situação.
Robert Enright concorda que o perdão pode assumir muitas formas, mas, no aspecto mais básico, perdoar é oferecer bondade a quem nos feriu. “O perdão pode assumir a forma de respeito, de retornar um telefonema ou dizer a outra pessoa uma palavra gentil sobre o ofensor”, explica ele. “O paradoxo é que, quando temos misericórdia de quem não teve conosco, nos curamos emocional e, às vezes, também fisicamente.”