Peepoo: banheiro descartável que vira adubo

Segundo a Organização Mundial da Saúde, estima-se que 2,6 bilhões de pessoas no mundo não dispõem de uma única latrina. Foi pensando neste problema que o arquiteto Anders Wilhelmson criou o Peepoo, uma sacola que vira um banheiro descartável e depois se transforma em adubo.

Redação | 16 de Abril de 2018 às 12:00

Peepoople/Niklas & Palmklint/Peepoo studio photo -

Rose e seus quatro filhos faziam fila toda manhã para usar um banheiro pago na favela de Kibéria, em Nairóbi, no Quênia. Ela não os deixava usar a latrina perto de casa porque vivia transbordando de excrementos, e Rose temia que as crianças pequenas caíssem no enorme buraco. Acima de tudo, porém, preocupava-se com a saúde delas.

Depois que começou a usar os banheiros higiênicos Peepoo em 2012, Rose não precisou mais se preocupar. O saco plástico descartável e biodegradável, que custa menos de três centavos de euro, contém uma bolsa de ureia do tamanho de um saquinho de chá que começa a agir assim que entra em contato com fezes e urina e remove todos os patógenos – agentes causadores de doenças – antes que o saco seja coletado e utilizado como adubo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, estima-se que 2,6 bilhões de pessoas no mundo não dispõem de uma única latrina, e dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância mostram que a cada 15 segundos uma criança morre de doenças ligadas à água não potável, à falta de saneamento e à má higiene. Oferecer o mais básico dos banheiros ajuda a prevenir infecções bacterianas fatais, como febre tifoide e cólera. A favela queniana onde Rose mora é apenas um dos muitos lugares do mundo cuja população começou a usar Peepoos.

O criador do Peepoo é o arquiteto e professor sueco Anders Wilhelmson. Em 2006, ele fundou a Peepoople Company, com sedes em Estocolmo, na Suécia, e Nairóbi, no Quênia, para produzir essa solução prática e barata.

“Quando ouço que 2 milhões de pessoas, na maioria crianças, morrem todo ano por causa da falta de saneamento, fico irritado”, diz Anders, 59 anos.

Anders cresceu em Karlskoga e, estudioso, era perseguido pelos filhos de imigrantes finlandeses da cidade operária. Logo aprendeu a reagir.

Em 1996, começou a ensinar arquitetura na Real Universidade de Belas-Artes, em Estocolmo.

Durante dez anos, Anders levou os alunos a viagens anuais para conhecer áreas urbanas do mundo, inclusive favelas. Na Índia, o grupo teve contato com moradoras de rua por meio de um grupo de defesa das mulheres.

A única coisa que as mulheres não conseguiam resolver era a higiene pessoal e que destino dar às fezes.

“Aquele momento mudou minha vida”, diz Anders. “Ali estava uma mulher me dizendo o que era preciso fazer em nível global.”

Isso aconteceu em maio de 2005, e Anders ficou obcecado com a missão de encontrar uma solução. Seu banheiro seria contemporâneo, barato e disponível a todos. Seria pessoal e portátil, autolimpante e de uso único, para impedir a disseminação de doenças. Para terminar, os dejetos seriam convertidos em algo de valor.

Em setembro, enquanto comemorava em Paris o quadragésimo aniversário da então companheira Camilla Wirseen, ele a acordou no meio da noite para dizer que encontrara a solução para o problema de saneamento do mundo. E no dia seguinte, segundo conta, ele passou a “falar de m—-”.

Conseguiu até convencer Camilla, fotógrafa, a participar. “Sem seu talento, talvez nada acontecesse”, diz ele. “Ela é muito melhor do que eu como empreendedora social. ” Hoje é a diretora de projeto da Peepoople e passa boa parte do tempo ajudando escolas e comunidades a usar os Peepoos.

Antes que a ideia se concretizasse, porém, eles tiveram de persuadir pesquisadores a trabalhar na invenção e obter o apoio de especialistas em saneamento. Depois, precisaram montar o projeto para atrair investidores.

Mas nem todos foram desdenhosos. Annika Nordin e Björn Vinnerås, da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas, estudavam o uso da amônia em saneamento e logo passaram a fazer parte da equipe de pesquisa que desenvolvia o Peepoo.

“Hoje o produto é um sucesso porque não se baseia em grandes exigências de infraestrutura”, diz Annika.

Em 2007, o Peepoo foi patenteado. Desde seu lançamento, no Quênia, a empresa ajudou os habitantes de mais oito países, entre os quais Bangladesh, África do Sul, Paquistão e Síria, onde o produto foi usado em campos de refugiados e no socorro a vítimas de desastres naturais. Atualmente a empresa investe numa nova fábrica na Suécia, com capacidade de produzir até 500 mil Peepoos por dia.

Os Peepoos fazem diferença. “Muita gente está mudando o comportamento para investir em água tratada, saneamento e higiene. ”, diz Rahab Mbochi, gerente de projeto da Escola Peepoo, em Kibéria.

Por CARI SIMMONS