Trabalhar em uma reforma com meu pai me mostrou que havia mais a aprender sobre ele do que eu pensava ou poderia imaginar.
Redação | 1 de Agosto de 2020 às 01:01
Enquanto crescia, compreendi uma coisa sobre meu pai: ele sabia tudo. Em resumo, era esse nosso relacionamento – eu lhe fazia perguntas e ele me dava as respostas. Havia mesmo um homem na Lua? Como funciona um barco a vela? Qual é a maior pontuação que alguém já conseguiu no Pac-Man?
Na adolescência, ele me ensinou coisas que eu precisava saber para sobreviver no mundo real. Como dirigir com câmbio manual. Como medir a pressão do pneu (embora o medidor que ele me deu vinte anos atrás ainda esteja intocado no porta-luvas). A faca certa para cortar um melão.
Quando fui morar sozinha, eu ligava para ele pelo menos uma vez por semana, em geral quando algo quebrava no apartamento e eu precisava consertar: o vaso sanitário, o ar condicionado, a parede, na vez em que joguei um sapato numa aranha apavorante.
Mas finalmente precisei menos dele. Eu me casei, e meu marido tinha a maioria dos conhecimentos que me faltavam sobre limpeza de calhas e aquecedores e remoção não destrutiva de insetos. Para todo o resto, tínhamos o Google.
Não sei como aconteceu, mas nossas conversas quando eu ligava evoluíram para sete palavras. Eu: “Oi, pai.” Ele: “Oi, doçura. Vou chamar mamãe.” (Porque dela eu ainda precisava: Qual é a receita de frango com parmesão? Preciso chamar o médico para ver a febre da minha filha? Você pode ler o rascunho do meu romance?)
Eu amava meu pai, é claro, mas às vezes me perguntava se talvez ele já tivesse me contado tudo de que eu precisava saber. Talvez eu tivesse ouvido todas as histórias. Talvez, depois de conhecer um homem por quarenta anos, não restasse mais nada a dizer.
Então, neste último verão, meu marido, nossos quatro filhos e eu nos mudamos para a casa de meus pais durante três semanas enquanto nossa casa era reformada. Eles têm uma casa no lago, e papai me pediu que o ajudasse a reconstruir o dique do cais.
Não reclamei; era o mínimo que eu podia fazer em troca do aluguel gratuito, mas fiquei com medo. Era um trabalho braçal difícil. Ficamos molhados e cheios de areia e tenho muita certeza de que alguma bactéria fatal foi liberada das entranhas da madeira podre que arrancamos do velho muro de contenção.
Mas, quando montamos o novo dique peça a peça, com meu pai sabendo exatamente o que ficava onde, eu o olhei.
– Como sabe construir diques?
A marreta pesada que ele usava parou no meio do ar.
– Passei um verão na faculdade construindo diques no litoral de Jersey.
– Foi mesmo?
Pensei que soubesse tudo sobre meu pai, todos os seus empregos aleatórios. Sabia sobre o pomar de macieiras, o verão na fábrica de raiz-forte que deixou suas mãos em carne viva e até o cargo de cozinheiro na lanchonete, onde ele aprendeu a fazer a melhor omelete do hemisfério ocidental. Mas não sabia disso.
– Foi. Agora venha cá e vou lhe ensinar a usar essa serra circular.
Enquanto ele explicava a importância de não enfiar a lâmina fundo demais (informação que logo guardei no mesmo lugar onde guardava a informação sobre o uso do medidor de pressão dos pneus), percebi que talvez a questão não fosse que não restava mais nada a dizer. Talvez eu só tivesse passado a vida lhe fazendo as perguntas erradas.
Algumas semanas depois que minha família e eu voltamos para nossa casa reformada, liguei para meus pais. Papai atendeu: “Oi, doçura”, disse ele. “Vou chamar mamãe.”
“Espere, pai”, disse eu. “Como você está?” Terminamos conversando sobre o trabalho de consultoria que ele estava fazendo, a bateria nova que comprara para o barco a vela, o refinanciamento que meu marido e eu estávamos pensando em fazer para incluir o empréstimo da reforma da casa. Nada capaz de mudar vidas, nada capaz de abalar o planeta. Para qualquer um, parecia uma conversa normal entre pai e filha.
Mas para mim era nova. Um novo começo. Passei a primeira parte da minha vida precisando falar com meu pai. Agora, falo com ele porque quero.