Marcos Pontes: de aprendiz de eletricista à astronauta

Marcos Pontes jamais esquecerá a primeira vez que viu a Terra do espaço. Tampouco das dificuldades que encontrou para chegar onde chegou.

Redação | 19 de Maio de 2019 às 19:00

Acervo pessoal/ Marcos Pontes -

No Cazaquistão, eram 8 horas da manhã de 30 de março de 2006. No Brasil, ainda eram 23h do dia 29. Esse foi o dia em que decolei para o espaço a bordo da Soyuz TMA-8.

Na tarde do dia anterior, depois de cinco meses de treinamento na Rússia, isolado da família, tive 30 minutos para conversar com minha mulher Fátima e meus filhos, Fábio e Ana Carolina, que tinham ido assistir ao lançamento. Uma lágrima escorreu no meu rosto quando os vi indo embora, ao pensar que aquele poderia ser nosso último encontro.

Depois do jantar, dormimos por três horas. Acordei com o médico me chamando para mais uma rodada de exames e uma reunião final com a tripulação, o russo Pavel Vinogradov e o americano Jeffrey Williams. Depois, eu, Pavel e Jeffrey completamos o processo de desinfecção e, a partir daquele momento, o contato ficou restrito a poucas pessoas. Sensores foram instalados no nosso peito, vestimos os trajes Sokol e embarcamos no veículo que nos levaria até a torre de lançamento.

“Lembrei dos sacrifícios da família; do meu primeiro emprego aos 14 anos, e do meu sonho de voar.”

Durante o trajeto, pensei em muita coisa. Desde 1998, quando fui selecionado por concurso público pela Agência Espacial Brasileira para a função civil de astronauta. Lembrei dos sacrifícios da família; do meu primeiro emprego aos 14 anos como aprendiz de eletricista na Rede Ferroviária Federal, do meu sonho de voar. E de todos que olhavam para o garoto pobre, cheio de graxa do trabalho nas locomotivas, e diziam para desistir da ideia. Mas, finalmente, eu estava ali, embarcando para uma missão de dez dias na Estação Espacial Internacional, prestes a levar a bandeira do Brasil ao espaço pela primeira vez nas mãos de um brasileiro.

Eram quatro da manhã. Ainda estava escuro quando vi o foguete a distância. Um dragão rodeado de vapores, pesando 300 toneladas e com 49 metros de altura. Caminhamos para a plataforma 1 de lançamento, o mesmo lugar de onde saiu Yuri Gagarin, o primeiro homem a viajar ao espaço, em 1961.

Leia mais: 13 coisas que você não sabia sobre viagens espaciais 

O elevador subiu. Por fim, chegamos à cápsula da espaçonave. Quando me sentei, tive uma sensação indescritível: ali era o meu lugar. Todos que assistiam ao lançamento estavam a mais de cinco quilômetros do foguete, uma regra de segurança para o caso de explosão.

Seguindo os procedimentos, testamos os sistemas. Pensei: Faltam apenas três minutos para a decolagem. O tempo não passava. De novo, me lembrei da família, dos amigos, de tudo o que enfrentei para que aquele momento acontecesse. O dragão balança; ouço ruídos nas suas entranhas. Começa a contagem regressiva. Passo a mão na bandeira brasileira pregada no braço do meu uniforme: não estou indo para o espaço sozinho, todos os brasileiros estão comigo! Sete… seis… cinco… Pavel, que estava no meio, segurou a minha mão e a do Jeffrey: “Vamos lá!”

“Senti como se ela estivesse ali, dizendo: ‘Sabia que você conseguiria.’”

Os motores foram acionados. Logo sentimos a aceleração. Depois de nove minutos, chegamos ao espaço. Estamos a 25 mil quilômetros por hora. Finalmente consigo olhar pela janela. A Terra é linda; luz, paz e silêncio. A imagem de minha mãe, “dona Zuleika”, domina meus pensamentos. Italiana, enérgica, olhos azuis como a Terra. Lembro de quando, ainda menino, chegava triste em casa depois de ouvir que “ser piloto é coisa para rico”. E ela dizia: “Você conseguirá ser o que quiser na vida, desde que estude, trabalhe, persista e faça mais do que esperam de você!”

Dona Zuleika morreu em 2002, mas, naquele momento, olhando para a Terra azul, senti como se ela estivesse ali, dizendo: “Sabia que você iria conseguir.”

MARCOS PONTES