Aos dezoito anos, Manuel Bandeira recebeu o diagnóstico: tuberculose. A doença, que havia interrompido prematuramente a carreira de diversos escritores,
Julia Monsores | 20 de Agosto de 2019 às 14:00
Aos dezoito anos, Manuel Bandeira recebeu o diagnóstico: tuberculose. A doença, que havia interrompido prematuramente a carreira de diversos escritores, pairou como uma sombra sobre sua vida e obra. Mais tarde, houve as perdas da mãe e da irmã em um curto espaço de tempo. Tais acontecimentos, juntos, poderiam ajudar a construir uma obra marcada pelo discurso trágico e pelo sentimentalismo. Porém, seu estilo mescla um tom melancólico e um espírito bem-humorado que compõem o lirismo presente em toda sua obra, e que, antes de provocar reações extremas como o pranto ou a gargalhada, provoca algo mais parecido com a cumplicidade dos olhos cheios d’água junto ao sorriso de canto de boca.
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife em 1886. Fez os estudos secundários no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e começou em São Paulo o curso de Engenharia. Porém, abandonou quando descobriu ter contraído a tuberculose. Obrigado a conviver com a doença, não deixa de fazer referência espirituosa em seus poemas:
“– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo/ e o pulmão direito infiltrado./ – Então, doutor, não é possível tentar pneumotórax?/ – Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
Para cuidar da saúde, morou em lugares com um clima adequado à sua condição. Passando inclusive cerca de um ano em um sanatório na Suíça. Concentrou-se, então, na poesia e nos estudos.
Em 1917 – um ano após a morte da mãe – publicou seu primeiro livro, Cinza das horas. Com uma tiragem de apenas duzentos exemplares, foi financiada pelo próprio autor. Já praticava, então, o verso livre e a ironia mesclada à melancolia intimista, apesar de preservar algumas características do discurso parnasiano. Em 1919, o ano seguinte ao falecimento da irmã, publicou seu segundo livro de poemas, Carnaval, demonstrando uma maior liberdade de composição rítmica e uma expressão mais solta e simples, através de “sonetos que não passam de pastiches parnasianos”, como ele mesmo escreveu.
Seus sonetos despertaram o interesse dos artistas que começavam a articular o movimento modernista em São Paulo. De fato, o poema “Os sapos“, sátira ao parnasianismo, foi declamado, sob fortes vaias, na Semana de Arte Moderna de 1922 por Ronald de Carvalho. E tornou-se uma espécie de hino dos modernistas:
“O sapo-tanoeiro,/ Parnasiano agudo / Diz: – Meu cancioneiro / É bem martelado”.
Por volta de 1921, em uma reunião na casa de Ronald de Carvalho, conheceu os modernistas de São Paulo. Entre eles, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e, especialmente, Mário de Andrade, com quem estabeleceu um laço de íntima amizade e trocou extensa correspondência. O “São João Batista do modernismo” – apelido dado por seu amigo –, apesar de não ter participado pessoalmente da Semana, colaborou com o movimento através da publicação de seus trabalhos em várias revistas modernistas, como: Terra Roxa, Klaxon e a Revista Antropofágica.
Seu lirismo possui muito da sensação lúdica, de experiências da infância: ” – O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada”. A partir dos livros Ritmo Dissoluto (1924) e Libertinagem (1930), Bandeira rompeu totalmente com a poesia acadêmica, afastada da realidade brasileira:
“Estou farto do lirismo comedido/ Do lirismo bem-comportado / Do lirismo funcionário público com livro de ponto / expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor / Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no / dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.”