Era uma tempestade atrás da outra e assim seguiam dias na luta para chegar aos Açores. O vento no rosto a maior parte do tempo deixava a viagem mais
Era uma tempestade atrás da outra e assim seguiam dias na luta para chegar aos Açores. O vento no rosto a maior parte do tempo deixava a viagem mais difícil. Após cada tempestade, porém, um arco-íris surgia. Nessa hora, eu ficava na proa do barco, como uma carranca, a observar o mar. E a viagem continuou assim durante 28 dias. Era eu, o mar e meu barco Petit.
No 29º dia, uma grande tempestade se formou e passei quatro dias sem poder sair da cabine. Eram ventos de mais de 100 km/h e muito frio. Mas eu tinha um objetivo: chegar ao Brasil, em mais uma travessia do Atlântico, participando da regata da Transat 6.50, França-Brasil. Era uma regata solitária em veleiros de 6,50 metros.
Para participar, eu já tinha feito tantas coisas. Em 2006, me tornei a primeira brasileira a atravessar o Atlântico em solitário, uma viagem de 42 dias e 6 horas. Em 2007, cruzei novamente o Atlântico, partindo de Sète, na França. Mas não consegui participar da regata, pois o barco que construí no Brasil não foi aprovado.
Em janeiro de 2009, parti de Paraty e fui para a França, realizando assim minha terceira travessia do Atlântico. E agora, naquele ano de 2009, estava de volta ao mesmo oceano.
Todo o esforço foi recompensado quando, no dia 13 de setembro e sob fortes ventos, parti de La Rochelle, na França, rumo ao Brasil. Seria a minha quarta travessia do Atlântico, mas, dessa vez, não estava sozinha, pois mais de 80 barcos estavam na água comigo. Era só ligar o rádio que vozes de todos os lados se misturavam.
Eu era só felicidade. A tempestade não assustava mais. E o enorme navio que passava tão perto era apenas mais uma embarcação. O que importava era que a distância entre meu barco e a linha de chegada ia, aos poucos, diminuindo.
“Eu me lembrei do dia em que, entre jubartes, em Abrolhos, eu sorri.”
Os fogos de artifício anunciaram a minha chegada a Salvador, às 22h10 do dia 28 de outubro de 2009. A música de Lenine, Do it, tocava ao fundo. Tomei banho de champanhe e fui recebida com flores. Quando olhei em volta, entre tantas pessoas eu me senti só.
Tentei sorrir, pois aquele deveria ser o dia mais feliz da minha vida. O dia em que fui consagrada como a primeira brasileira a participar de uma regata internacional transatlântica e em solitário, que possui a qualificação mais difícil de se conseguir.
Mas as lágrimas correram e, sentada na beira do mar, me lembrei do dia em que, entre jubartes, em Abrolhos, sorri. Lembrei do sorriso do Alain, uma fera em manutenção de barcos e que foi meu anjo nos momentos mais difíceis, da força do brilho dos seus olhos. Lembrei do dia em que, em Paraty, vi a lua surgir de um lado e o sol se pôr do outro, ambos iluminando um belo atobá que tranquilo me observava.
Lembrei dos arco-íris, dos acenos de mão e das festas de cada chegada a um porto. Lembrei do abraço dos meus pais. Percebi que não era só aquele dia, foram muitos os dias mais felizes da minha vida. Então me levantei e fui comemorar a minha quarta travessia do Atlântico!
IZABEL PIMENTEL