Acompanhe a terceira parte da história de James Herriot, veterinário de uma bucólica região da Inglaterra. Suas memórias deram origem ao livro "All Creatures Great and Smal"
Redação | 30 de Janeiro de 2019 às 14:00
James Herriot foi um cirurgião veterinário apaixonado por sua profissão. Suas memórias da vida profissional e pessoal deram origem ao livro “All Creatures Great and Smal“, lançado em 1984. No Brasil, a obra também originou a série “Criaturas Grandes e Pequenas“, transmitida pela Animal Planet.
Na parte final dessa história, James, cada vez mais encantado por Yorkshire Dales, passa por uma grande mudança em sua vida.
A ocasião foi o Baile do Narciso, no Drovers’ Arms, para anunciar a chegada da primavera. Como não havia casais em nosso grupo, dancei com todas as moças. Com todo mundo cantando enquanto dançava, senti que não tinha preocupações no mundo. Então eu vi Helen.
Então o gerente veio e me disse que havia um telefonema. Uma cadela estava com dificuldade de dar cria, e eu tinha de ir. Helen estava a menos de meio metro de mim.
– Já vai, Jim? – perguntou ela.
– Sim, recebi um chamado.
– Ah, que pena. Espero que não seja nada grave.
Abri a boca para falar, mas sua beleza morena e sua proximidade de repente encheram meu mundo. Então segurei-lhe a mão e senti seus dedos se trançarem com força nos meus.
E, num instante, não havia música, não havia gente, só nós.
– Venha comigo – pedi.
Helen sorriu.
– Vou pegar meu casaco.
Tive de passar no consultório para buscar os instrumentos e, no corredor, a coisa mais natural do mundo foi abraçá-la e beijá-la com gratidão e sem pressa.
Eu nunca dirigi tão devagar para um atendimento. Cerca de 15 km/h, com a cabeça de Helen em meu ombro e todos os aromas da primavera entrando pela janela aberta. Foi como velejar de um mar tempestuoso para um porto seguro, como voltar para casa.
Depois da noite do Baile do Narciso, adotei naturalmente o hábito de ver Helen.
O pai de Helen era um homem que se isolara dentro de si desde a morte da esposa. Quando a situação não ia bem, ele tinha longas conversas murmuradas consigo mesmo, mas, quando ficava contente, tendia a começar um zumbido alto e sem música.
Quando Alderson estava por perto, minhas visitas eram desconfortáveis. Era uma pena, porque eu gostava dele.
Assim, era sempre um alívio quando eu saía com Helen. Então, tudo se acertava. A situação poderia ter continuado assim indefinidamente se não fosse uma conversa que tive com Siegfried. Falávamos dos eventos do dia, e ele riu e deu um tapa no joelho.
– O velho Harry Forster veio hoje pagar a conta. Ele foi muito engraçado. Sentou-se, deu uma olhada na sala e disse: “É um ninho bonito este aqui, Sr. Farnon. Está na hora de ter passarinhos neste ninho, sabe?”
Ri também.
– E ele tem razão. Está na hora de você se casar, rapaz!
– Ora, o que é isso, Siegfried? Mal estou começando a carreira. Não tenho dinheiro, não tenho nada. Nem estou pensando nisso.
Siegfried deu uma risadinha e me olhou com afeto.
– Sem dinheiro, diz você. Pois qualquer dia desses você será meu sócio, e nunca lhe faltará o pão de cada dia. Quanto a um lar… veja só quantos quartos vazios há nesta casa.
– Você faz tudo parecer fácil.
– Mas é fácil! Vá pedir a mão da moça Alderson e leve-a à igreja antes do fim do mês! Agarre a urtiga da vida, James. Largue esse seu jeito hesitante.
– Tudo bem, entendi a mensagem.
Na hora, achei a opinião dele ridícula. Mas, quando toquei no assunto com Helen, ela concordou.
– Jim, você terá de falar com papai.
Piscando, sonolento, para o relógio, que dizia 1h15 da madrugada, levantei o fone e despertei quando reconheci a voz de Alderson. Candy estava para dar à luz e havia algo errado. Ela era a vaca da casa, uma linda vaquinha Jersey, a queridinha de Alderson.
Quando parei no terreiro, avistei Stan e Bert, os dois vaqueiros, em pé ao lado do patrão. Pendurei o paletó num prego e me ajoelhei atrás da vaca. Torção do útero. Não seria uma vitória fácil para mim.
– Ela está com o útero torcido. Há um bezerro vivo aí dentro, mas não tem como sair. Teremos de tentar corrigir a torção rolando a vaca enquanto seguro o bezerro.
– E isso vai endireitar tudo, não vai? – perguntou Alderson.
Engoli em seco. Às vezes a rolagem dava certo, às vezes não, e naquela época ainda não fazíamos cesarianas em vacas. Se eu não conseguisse, teria a possibilidade de dizer a Alderson que mandasse Candy para o açougue.
– Vai dar tudo certo – eu disse.
Pus Bert nas patas dianteiras, Stan nas traseiras e o fazendeiro segurando a cabeça da vaca no chão. Então eu me deitei no concreto duro, enfiei a mão e segurei o pé do bezerro.
– Agora rolem – disse.
Nada pareceu acontecer.
– Girem-na de peito – continuei.
Com habilidade, Stan e Bert enfiaram as pernas debaixo da vaca e a rolaram sobre o peito. Quando ela se instalou, soltei um grito de dor.
– Desfaçam, depressa! Estamos indo para o lado errado!
A faixa lisa de tecido se apertara em meu pulso com uma força paralisante. Mas os homens trabalharam feito um raio. Em segundos, Candy estava esticada de volta sobre o lado original, e voltáramos ao início.
– Ok, tentem para o outro lado.
Dessa vez, a rolagem foi no sentido anti-horário.
– Mais um pouco! – gritei.
Foi lindo sentir tudo se desenrolar magicamente, e meu braço ficar livre no útero amplo, e o bezerro já começar a deslizar em minha direção. Ao sentir a vitória ali pertinho, Candy fez um esforço prolongado que lançou o bezerro molhado em meus braços.
Alderson balançava para a frente e para trás sobre os calcanhares. A qualquer momento, pensei. E acertei: o zumbido sem música surgiu, ainda mais alto que de costume.
Ocorreu-me que não haveria um momento melhor. Depois de uma tosse nervosa, falei com firmeza:
– Sr. Alderson – disse eu –, quero me casar com sua filha.
O zumbido foi desligado abruptamente.
– É melhor o senhor entrar em casa – disse ele.
O Sr. Alderson serviu duas doses de uísque e me ofereceu uma.
– É, bem – disse ele. – Está um tempo ótimo para o feno. Veja só, uma noite de chuva faria muito bem.
Em seguida, olhou o tapete e falou com voz baixa.
– James, tive uma esposa entre mil. Ela era a moça mais magnânima num raio de quilômetros, e a mais linda. Ninguém achou que ela gostaria de um sujeito como eu, sabe? Mas gostou.
Ele fez uma pausa. E começou a me falar da mulher falecida. Na verdade, ele falava um pouco demais. Estava na metade do terceiro uísque, e, em minha experiência, os homens do Yorkshire não aguentam isso muito bem.
– Droga, são quatro horas. Acho que é melhor termos uma ou duas horas de sono.
– É melhor eu ir andando – eu disse. – Obrigado pelo uísque.
Ele hesitou à porta do quarto como se quisesse dizer alguma coisa. Mas, finalmente, apenas fez que sim com a cabeça algumas vezes antes de entrar. Relaxei quando um zumbido alto e sem música veio pela porta. Por fim, achei que tudo daria certo.
Não consigo lembrar de muita coisa do casamento. Foi uma “festa tranquila”. E o alívio foi incrível quando Helen e eu estávamos prontos para ir embora. Ao passarmos por Skeldale House, Helen segurou minha mão.
– Olhe! – gritou ela, empolgada. – Olhe lá!
Embaixo da placa de latão de Siegfried, que sempre pendia meio torta do suporte de ferro, havia outra, nova em folha. Dizia: “J. Herriot – Cirurgião Veterinário”. Estava aparafusada muito reta e direita no metal.
Siegfried dissera algo como “Você verá meu presente de casamento quando for embora”. Não são muitos os que ganham uma sociedade de presente, mas me aconteceu e foi o ponto culminante de três anos de sua magnanimidade.
Quando sorri de volta para Helen, de repente tive consciência da vasta e crescente glória dos Dales à nossa volta e do aroma de trevo e capim quente, mais inebriante do que qualquer vinho. E achei que meus três primeiros anos em Darrowby tinham se encaminhado para esse momento; que o primeiro grande passo de minha vida se completava bem ali, com Helen sorrindo para mim e a lembrança, fresca na memória, de minha nova placa pendurada diante de Skeldale House.