Você sabia que repetir as experiências pode ser tão satisfatório quanto realizar novas? Confira o que a Psicologia tem a dizer!
Redação | 1 de Novembro de 2020 às 08:00
Rolar a tela das mídias sociais logo nos convence de que a vida de todo mundo é mais interessante do que a nossa. Uns meses atrás, numa semana especialmente aventurosa no Instagram, vi esqui aquático em Mauí, caminhadas em Yosemite e natação com porcos selvagens nas Bahamas.
Porcos selvagens!
Impulsivamente, comecei a procurar no Google voos para lugares novos, imaginando aventuras. Depois, pedi comida no restaurante onde como
toda semana e… me senti mal por não tentar um lugar novo.
Esse medo de perder as coisas, ou FOMO, do inglês “fear of missing out”,
se baseia num tique comum: em termos evolutivos, somos predispostos
a achar as experiências novas mais empolgantes e atraentes do que as
repetidas, de acordo com uma pesquisa publicada no Journal of Experimental Biology.
É nossa psicologia de luta ou fuga em ação.
Como o cérebro não consegue processar todos os estímulos que nos cercam, evoluímos para prestar mais atenção a coisas novas e potencialmente perigosas do que às conhecidas, que já descobrimos que não nos machucarão.
E mais: palavras como repetição tendem a se associar a emoções mais negativas do que palavras como novidade, explica Michael Norton, Ph.D. e professor da Escola de Administração de Harvard.
“A pesquisa clássica mostra que, quando pensamos em experiências
iminentes, pensamos em variedade”, diz ele.
“Se eu lhe pedir que escolha um iogurte para cada dia da próxima semana, você escolherá algumas vezes seu sabor preferido – digamos, amora –, mas acrescentará um pouco de morango e pêssego. Afinal, quem vai querer tanto iogurte de amora assim? Mas, a longo prazo, conforme a experiência original vai sumindo no tempo e na memória, a repetição se torna mais agradável.”
Ele acrescenta: “Somos mais sem graça do que gostamos de admitir.”
Mas, como poucos de nós têm tempo ou dinheiro para se entregar regularmente a novas experiências, nos sentimos mal com a monotonia da vida.
Uma pesquisa recente sobre experiências novas e repetidas publicada
no Journal of Personality and Social Psychology mostra que devemos reconsiderar esses sentimentos negativos.
Ed O’Brien, Ph.D. e professor de ciência comportamental da Escola
Booth de Administração da Universidade de Chicago, iniciou uma série
de estudos sobre o tema.
Muitos escutamos nossa música predileta várias vezes com prazer, observa ele, ou assistimos a reprises de filmes e programas de TV favoritos.
“Existe a crença generalizada de que, para parecermos pessoas cultas
e interessantes, é melhor mostrar que estamos abertos a novas experiências”, diz ele.
“Talvez seja verdade, mas acho que não damos o devido valor a ir realmente fundo num só domínio.”
Para testar essa hipótese, O’Brien e sua equipe expuseram todos os
participantes ao mesmo estímulo, como visitar museus, ver filmes e jogar
videogames.
Depois, pediram a algumas pessoas que se imaginassem repetindo a experiência, enquanto outras realmente repetiram o que tinham feito.
Os pesquisadores constataram que, em geral, os participantes disseram que repetir a experiência era mais agradável do que tinham previsto.
Há alegria na repetição, em parte porque toda mente humana perambula.
Em consequência, perdemos uma parte substancial das experiências.
“Quando estou no museu ou tomando uma cerveja, minha mente
também pensa em e-mails que preciso enviar, telefonemas que tenho
de dar e o nome da professora do 3º ano”, diz Norton.
“Assim, repetir experiências pode ser considerado outra oportunidade de realmente vivenciar algo por completo.”
Isso é ainda mais verdadeiro quando a experiência é complexa, como visitar um museu ou assistir a um filme, e deixa bastante espaço para descobertas contínuas.
“Nossos estudos mostram que as pessoas supõem depressa demais que
‘viram todas as camadas’, mesmo nos casos em que não viram”, diz O’Brien.
É seguro supor que, em qualquer experiência, há mais camadas a explorar,
é o que diz Ellen Langer, Ph.D. e professora de psicologia da Universidade
de Harvard, chamada de “mãe da Atenção Plena”.
Isso porque o processo de buscar novas ideias é gratificante por si só.
“Quando notamos coisas novas em qualquer experiência, os neurônios disparam, e é assim que nos envolvemos”, explica ela. “O que precisamos é abordar a tarefa buscando as coisas que não vimos na primeira vez.”
Se não souber como ser mais atento nas experiências que vai repetir, Langer dá três dicas.
“Primeiro, reconheça que tudo sempre muda, e a segunda experiência nunca é exatamente igual à primeira”, diz ela. “Segundo, se estiver procurando novidade, isso é gratificante em si, e o envolvimento fica gostoso.”
Terceiro, você tem de perceber que os eventos não são positivos nem negativos.
“O modo como entendemos os eventos é que os torna positivos ou negativos”, diz ela. “Assim, se procurarmos de que modo a experiência é compensadora, empolgante, interessante, será isso que encontraremos.
Buscai e achareis.”
Além de nos ajudar a considerar empolgante a possibilidade de dar
um passeio no bairro em vez de visitar uma famosa praia tropical, a pesquisa de O’Brien mostra que deveríamos pensar duas vezes em nossa obsessão cultural de fazer e realizar o máximo que seja humanamente possível.
“O café fica mais gostoso depois de passarmos um mês sem ele. Portanto,
é verdade que a novidade é divertida, mas, se houver pausa suficiente,
as experiências repetidas recuperam aquela emoção inicial”, afirma
Norton.
“É por isso que as pessoas fazem coisas aparentemente malucas,
como criar cápsulas do tempo.
Se olhar todo dia seu boletim da 3ª série, você vai enjoar, mas se o enterrar
numa cápsula do tempo e o desenterrar vinte anos depois, ele será
fascinante.”