Assim que chegou ao Brasil, vindo do Haiti, o casal Mélanie e Robert Montinard não tinha nenhuma perspectiva em mente – estavam ambos sem documentos e sem
Assim que chegou ao Brasil, vindo do Haiti, o casal Mélanie e Robert Montinard não tinha nenhuma perspectiva em mente – estavam ambos sem documentos e sem emprego. O tempo passou, eles se estruturaram e conseguiram conquistar um espaço por aqui. Com a vida regularizada, repensando a experiência que tiveram ao pisar em solo brasileiro, os dois resolveram abrir a ONG Mawon, que hoje trabalha para integrar imigrantes à sociedade, de forma a valorizar a cultura de origem de cada um, de resgatar sua autoestima e proporcionar autonomia financeira.
O trabalho da Mawon, que existe desde 2017, é realizado em cima de três pilares: atendimento sociojurídico, aulas de português e geração de renda. “Todo o processo é personalizado. Escutamos o projeto de vida de cada um antes de dar início à nossa jornada. Para quem quer ficar no Brasil, providenciamos os documentos e a legalização. Em seguida, esse migrante começa nosso curso de português e segmentamos os que irão empreender e os que querem um emprego com carteira assinada”, explica o haitiano Robert.
“Para quem tem espírito empreendedor”, continua ele, “é feita a capacitação com cinco workshops do programa para empreendedores migrantes, com a mentoria para o desenvolvimento de negócios. Com a ajuda de parceiros, apresentamos a eles mais ferramentas de vendas. E, para quem busca um vínculo empregatício, ensinamos o português, a cultura local e vamos até as empresas falar sobre a importância de contratar estrangeiros.”
Desde que foi criada, a Mawon não para de crescer. Os números impressionam. Só em 2019, foram 73 alunos estrangeiros presentes nas aulas de português, 35 negócios impulsionados, 802 pessoas atendidas, 36 empregos gerados e mais de 1.700 documentos entregues.
Capacitando para o mercado
São muitos os estrangeiros que conseguem se inserir na sociedade através da Mawon. Sua origem é bem diversificada. Há engenheiros e comunicadores venezuelanos, e pessoas da Gâmbia, como é o caso de Mariama Bah. “Ela mora sozinha no Brasil e tem uma filha”, conta a francesa Mélanie. “Um dia a Mariama veio me procurar, querendo criar o próprio negócio. Preferiu largar a carteira assinada e empreender. O seu desejo era trabalhar com moda. Então, criamos a marca Sabaly, fizemos um programa de capacitação, e ela começou a sua empresa. Agora, está investindo na venda online – focada em moda e artesanato africanos. E o projeto deu tão certo que ela já organizou desfiles por aqui e participou da novela Órfãos da terra, da TV Globo. Com o dinheiro que ganha, mantém a família aqui e em Gâmbia.”
O salário mensal médio dos estrangeiros que trabalham como assalariados vai até R$ 3 mil. E eles são empregados em áreas variadas: gastronomia, condução de ônibus, obras, administrativo, cursos de idiomas e outros. “Tem de tudo! Uns são produtores musicais, outros professores de idioma e alguns participam de eventos, como feiras de gastronomia – a comida quebra os preconceitos e vem com a história do país, seja do Haiti, da Venezuela, seja do Senegal ou do Congo”, afirma Robert.
Além de toda essa infraestrutura, a ONG conta com casos de sucesso, com ações como a Integração Cultural (a Mawon fechou parceria com o governo francês para realizar atividades promovendo a cultura de países francófonos do Sul Global em diversas escolas) e o Impulsione com Facebook (foram selecionados empreendedores migrantes para participar da roda de conversa sobre a temática do empreendedorismo).
Perguntado se, ao olhar para trás, ele vê a própria trajetória – e também sobre quantas pessoas consegue ajudar –, Robert é direto: “É um trabalho feito com muito amor. Basta a gente se colocar no lugar do outro e saber o que ele passa, como se sente quando desembarca aqui vindo de guerras e outros problemas em seus países. Eu cheguei aqui sem emprego, sem documentos, passei um bom tempo na luta. Sou um exemplo de que é possível! A gente precisa dar mais carinho e amor para essas pessoas que saem, refugiadas, de seus países. E, se pararmos para pensar, um dia isso pode acontecer com qualquer um, até mesmo aqui no Brasil. Eu me sinto vivo por poder mudar um pouco essa realidade”, afirma Robert.
E finaliza: “Não adianta ter uma vida que está andando, quando tudo está dando certo, e você olha as pessoas que precisam de ajuda à sua volta e não contribui com nada. Não dá! É isso que me faz acordar cedo e dormir tarde quase todos os dias. Eu sei que o que estou fazendo vai impactar diretamente a vida de muitas pessoas. E isso é o que de fato importa!”
POR MÁRCIO GOMES