Uma série de megatendências globais, provocadas por investimentos de trilhões de dólares, indica que a humanidade talvez consiga evitar os piores impactos do aquecimento global. Das tendências já a pleno vapor, como a energia renovável, àquelas que só agora estão chegando, como os carros elétricos produzidos em massa, e às que mal surgiram ainda, como alternativas vegetais à carne, todas mostram que a emissão de gases do efeito estufa pode ser interrompida.
Ninguém está dizendo que a batalha para evitar mudanças climáticas catastróficas – enchentes, secas, fome, migrações em massa – foi vencida. “O importante é reconhecer que enfrentamos um grave desafio”, alerta Christina Figueres, ex-diretora de Clima da ONU.
“Ao mesmo tempo, o fato é que já estamos vendo um grande número de tendências positivas.”
Michael Liebreich, fundador da Bloomberg New Energy Finance, concorda. “A boa notícia é que estamos muito melhores do que achávamos que estaríamos. Não vamos passar por tudo isso ilesos. Mas podemos evitar o pior.”
Também cautelosamente esperançoso é o economista do clima Nicholas Stern, da London School of Economics (LSE). “Essas tendências são o começo de algo que pode ser suficiente; as duas palavras-chave são ‘começo’ e ‘pode’. “Ele diz que as reuniões sobre o aquecimento global a se realizarem na Polônia agora em dezembro são importantíssimas. “A aceleração incorporada ao acordo de Paris será fundamental.”
METANO: A carne em questão
O dióxido de carbono da queima de combustíveis fósseis é o principal gás do efeito estufa. Mas o metano e o óxido nitroso também preocupam, porque são mais potentes. Sua principal fonte é a pecuária, especialmente pelo esterco e pelos gases que os animais produzem.
O apetite mundial por carne e laticínios vem aumentando com o crescimento da renda. Mas uma conta simples mostra que, a menos que ele seja refreado, não há como vencer o aquecimento global. A tarefa parece hercúlea; as pessoas detestam que lhes digam o que comer. No entanto, no ano passado, uma possível solução explodiu no mercado: a carne vegetal, que deixa uma pegada ambiental minúscula.
Parece um paradoxo – um alimento parecido com carne ou laticínio, mas feito de plantas –, porém atraiu muito investimento.
O alvoroço é maior nos EUA, onde Bill Gates patrocinou duas fábricas de hambúrgueres vegetais.
Talvez ainda mais revelador seja que grandes empresas de carne e laticínios estejam agora prodigalizando investimentos e aquisições, como a Tyson, maior processadora de carne dos EUA, e as gigantes multinacionais Danone e Nestlé. Em 2017, o governo chinês investiu 300 milhões de dólares em empresas israelenses que produzem carne em laboratório.
Os leites vegetais abriram o caminho e hoje são um negócio bilionário que representa cerca de 10% do mercado americano. No ano passado, a venda de outros substitutos de carne e laticínios subiu 8% nos EUA, e algumas linhas específicas, como o iogurte, dispararam 55%. “Acho que a mensagem é clara”, reforça Alison Rabschnuk.
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Novos produtos de base vegetal, do frango ao peixe e até ao queijo, surgem todo mês. “Estamos no estágio inicial”, diz Alison Rabschnuk, do grupo americano sem fins lucrativos Good Food Institute. A carne e os laticínios de base vegetal, além de favoráveis ao meio ambiente, também são mais saudáveis. No entanto, ela diz que só esses benefícios não os levarão ao consumo de massa. “Acreditamos que os produtos em si precisam ser competitivos em termos de sabor, preço e conveniência.”
O empreendedor bilionário Richard Branson concorda. “Acredito que daqui a trinta anos, não precisaremos mais matar animais e que toda carne terá base vegetal ou será feita em laboratório.”
ENERGIA RENOVÁVEL: Hora de brilhar
A megatendência mais avançada é a revolução da energia renovável. O custo de produção dos painéis solares e das turbinas eólicas despencou, e a queda continua. No caso da energia solar, por exemplo, a queda foi de 90% na última década. Consequentemente, em muitas partes do mundo, essas duas já são a fonte de eletricidade mais barata. E sua instalação só cresce: dois terços de toda a nova energia de 2016 eram renováveis.
Esse crescimento extraordinário confundiu as expectativas; as projeções anuais da respeitada Agência Internacional de Energia (AIE) previam um crescimento anual linear da energia solar na década passada. Na verdade, o crescimento foi exponencial. A China lidera o aumento, mas o impacto é sentido no mundo inteiro; na Alemanha, numa semana de novembro de 2017, houve tanta energia eólica que os usuários tiveram eletricidade gratuita.
CARVÃO: Morto ou moribundo
O outro lado da expansão das fontes renováveis é a queda do carvão, o pior dos combustíveis fósseis. Parece que a produção chegou ao ponto máximo em 2013. A velocidade de seu falecimento tem espantado os analistas. Em 2013, a AIE previu que a demanda de carvão cresceria 40% até 2040; agora, a entidade calcula um crescimento de apenas 1%.
A causa é simples: a energia solar e a eólica são mais baratas. Mas a consequência disso é enorme. Na China sufocada pela poluição, agora não há onde se precise de carvão novo, e, no ano passado, o país engavetou planos de 152 usinas. As falências dilaceraram o setor carvoeiro americano, e, no Reino Unido, essa fonte reduziu de 40% para 7% do fornecimento de energia nos últimos cinco anos.
“Ano passado, eu disse que, se a Ásia construir o que diz que vai construir, podemos dar adeus a dois graus Celsius (limite internacionalmente aceito para a mudança climática perigosa)”, diz Michael Liebreich. “Agora estamos vendo o fim do carvão.”
Uma segunda virada é necessária, diz ele. Ela ocorrerá quando a construção de usinas de fonte renovável for mais barata do que o funcionamento das usinas a carvão. Se o custo da energia renovável continuar caindo como se espera, isso acontecerá entre 2030 e 2040.
CARROS ELÉTRICOS: Na pista mais veloz
Reduzir o uso de petróleo – um terço de toda a energia global – é um desafio enorme. Mas o mercado de carros elétricos está começando a crescer, impelido, em boa parte, pela preocupação cada vez maior com a poluição do ar urbano. Cidades e países, de Paris à Índia, estão anunciando a proibição futura de carros a combustível fóssil.
A China, mais uma vez, lidera o caminho. Ela vende por mês tantos carros elétricos quanto o restante do mundo, muitos de empresas nacionais como a BYD. A Tesla, com sede nos Estados Unidos, está lançando seu Model 3, mais barato, e nos últimos meses praticamente toda a indústria automobilística se comprometeu com o futuro elétrico; a Volvo e a Jaguar Land Rover anunciaram que daqui a dois anos darão fim à produção de carros que usem apenas combustível fóssil. “Acho que essa tendência não vai se desacelerar”, especula Viktor Irle, analista da EV-volumes.com, banco de dados global de vendas de veículos elétricos.
“Se a taxa de crescimento anual continuar, até 2030 teremos cerca de 80% dos carros novos elétricos.”
O crescimento rápido da produção de carros elétricos deixou as gigantes do petróleo correndo atrás. Em sua última previsão, a OPEC fala em 235 milhões de carros elétricos em funcionamento em 2040. A ExxonMobil e a BP também estão atualizando suas previsões. O transporte pesado continua um desafio, mas até navios estão experimentando baterias e energia eólica. Aviões elétricos de curta distância também estão nas pranchetas. Enquanto isso, a Global EV Outlook (publicação da AIE) afirma que “entre 9 e 20 milhões de carros elétricos podem estar no mercado até 2020, e entre 40 e 70 milhões até 2025, de acordo com estimativas baseadas em declarações recentes dos fabricantes”.
BATERIAS: Muito em estoque
As baterias são fundamentais para os carros elétricos e, por armazenar energia quando o sol se põe ou o vento amaina, também são importantíssimas para permitir que a energia renovável atinja todo o seu potencial. Nesse caso, a megatendência também é a queda do preço das baterias de íons de lítio de 74% nos últimos seis anos. A Agência Internacional de Energia Renovável espera nova queda de 50% a 66% até 2030 e um grande aumento da capacidade de armazenamento, ligado às redes elétricas digitais, cada vez mais inteligentes e eficientes. Só no Reino Unido, assessores do governo afirmam que a rede inteligente permitirá aos usuários uma economia de 8 bilhões de libras por ano em 2030, além de reduzir a emissão de carbono.
O temor de que a tecnologia de íons de lítio não possa avançar o suficiente é exagerado, afirma Michael Liebreich, porque o metal não é raro. “Podemos ter certeza de que as baterias de íons de lítio ficarão mais baratas e que serão suficientes.”
No entanto, é verdade que as baterias não serão a solução para o armazenamento de energia durante semanas ou meses. Para isso, estão sendo construídas ligações físicas que transferem eletricidade entre redes ou fronteiras, e também há estudos sobre o armazenamento de eletricidade renovável sob a forma de gás.
EFICIÊNCIA: Negawatts em vez de megawatts
Tão importante quanto tornar a energia mais verde é reduzir a demanda com o aumento da eficiência energética. Na política climática, isso pode ser complicado de implementar, pois exige a ação de milhões de pessoas.
No entanto, tem havido um bom progresso
em lugares como a
União Europeia, onde
a eficiência em lares,
meios de transporte e indústrias cresceu cerca de 20% desde 2000. Impor padrões melhores para aumentar a eficiência dos eletrodomésticos tem uma importância surpreendente; um novo relatório da ONU mostra que essa é a ação com maior impacto depois da energia eólica e solar.
Mas o progresso contínuo é fundamental. “Precisamos incentivar muitíssimo a eficiência energética”, diz o professor Kevin Anderson, da Universidade de Manchester.
“Seria possível reduzir em cerca de 40% o gasto de energia europeu num prazo de dez a quinze anos só fazendo dos eletrodomésticos mais eficientes de hoje o novo mínimo.”
Em países com inverno rigoroso também é necessário melhorar o isolamento térmico, principalmente porque o gás natural é responsável por grande parte do aquecimento global. “É um crime que, ao se reformar um prédio, isso não seja feito segundo padrões mais elevados”, observa Michael Liebreich, “e esse problema é praticamente global.”
Um setor que vem ficando para trás na eficiência energética é a indústria, mas a tecnologia para capturar e enterrar o CO2 das usinas elétricas que usam combustível fóssil está sendo testada e também estão sendo exploradas maneiras de limpar a fabricação de cimento.
FLORESTAS: Ver o todo
A destruição das florestas para agricultura e pecuária, além da extração, provoca 15% das emissões de gases do efeito estufa. Essa é a megatendência que ainda não está na direção certa: a perda anual de árvores dobrou desde 2000.
Isso é extremamente preocupante, pois plantar novas árvores é uma das maneiras mais rápidas de reduzir as emissões de carbono. Só que essa medida não vem recebendo o apoio necessário, diz Michael Wolosin, da Forest Climate Analytics, em Washington. “A política climática subfinancia demais as florestas, que só recebem cerca de 2% do financiamento global para o clima.”
Além disso, os 2,3 bilhões de dólares dedicados às florestas nos países que mais desmatam desde 2010 são um investimento pequeníssimo comparado aos setores que incentivam o desmatamento. “No mesmo período, os governos do Brasil e da Indonésia investiram 276 bilhões em subsídios agrícolas aos quatro principais produtos responsáveis: óleo de dendê, soja, carne bovina e madeira”, revela Franziska Haupt, integrante da equipe da Climate Focus e principal autora da Declaração Anual de Nova York sobre Avaliação do Progresso das Florestas.
Na verdade, novas pesquisas mostraram que, como diz Michael Wolosin, há esperança de que se possam plantar novas florestas.
“O reflorestamento em grande escala não é só teórico. Alguns países já obtiveram sucesso.”
Nas últimas duas décadas, o plantio de árvores na China, na Índia e na Coreia do Sul removeu da atmosfera mais de 12 bilhões de toneladas de CO2, o triplo de todas as emissões anuais da União Europeia, diz Wolosin. Essa ação foi incentivada pelo medo de inundações e de escassez de alimentos.
Essas megatendências avançarão com velocidade suficiente para evitar o pior do aquecimento global? As opiniões variam, e Kevin Anderson, da Universidade de Manchester, está entre os mais radicais. Ele diz que, por enquanto, ainda é possível, mas vê com pessimismo a tomada de providências. “Temos de fechar ativamente a indústria de combustíveis fósseis vigente.”
Nicholas Stern, da LSE, está cautelosamente otimista e diz que o que mudou nos últimos anos foi a percepção de que o crescimento econômico verde é a única opção a longo prazo. “Agora tenho bastante confiança de que conseguiremos, mas a mudança precisa ser radical”, alerta. “Teremos compreensão e compromisso político e econômico para chegar lá? Espero que sim”.
Por DAMIAN CARRINGTON