Minha avó morreu quando minha mãe tinha 11 anos, por isso mamãe nunca aprendeu a cozinhar direito. Água sabia ferver. Receitas, seguir. Mas, criada apenas
Redação | 4 de Maio de 2019 às 14:00
Minha avó morreu quando minha mãe tinha 11 anos, por isso mamãe nunca aprendeu a cozinhar direito. Água sabia ferver. Receitas, seguir. Mas, criada apenas pelo pai, ela perdeu algumas habilidades pelo caminho.
Também não aprendi a cozinhar. Em vez disso, tornei-me uma convidada de altíssima qualidade. Sou maravilhosa ao lado de quem cozinha, principalmente quando me servem um copo de vinho à mesa. Apreciarei a comida de um modo profundo, emocionado e altamente verbalizado, talvez porque não cheguei a vivenciar esse tipo de infância culinária.
Habilidades culinárias à parte, minha mãe é excepcional como cuidadora. Dois anos atrás, ela pegou um avião e veio a Nova York cuidar de mim quando me submeti a uma pequena operação. A cirurgia correu sem problemas. No meu apartamento, entreguei-lhe uma lista de compras, na qual constava uma canja de galinha enlatada com massinha.
– Eu é que deveria lhe fazer uma canja com massinha – disse ela.
– Mãe, você nunca me fez isso na vida – respondi.
– Não é verdade – disse ela.
– É sim – retorqui.
Discutimos mais um instante. Logo um celular pulou da bolsa e a voz do meu pai surgiu do outro lado.
– Sua mãe fez muitas coisas maravilhosas por você – disse ele. – Estimulou seu amor pelos livros, fez você acreditar que podia ser tudo o que quisesse na vida…
– Tem razão – falei. – Mas nunca fez canja com massinha, certo?
– Não me lembro de nenhuma canja com massinha – respondeu ele.
– Pois então vou lhe preparar a canja agora – disse minha mãe, que adora um bom desafio.
Mandei um e-mail para minha amiga Kate, que é uma chef extraordinária. Escrevi que minha mãe ia fazer a canja e que aquilo poderia ser arriscado. “Mande uma receita”, pedi. “Mas que seja à prova de falhas.”
Kate mandou a receita e lá se foi minha mãe para o supermercado. Enquanto isso, o efeito dos analgésicos passava. É melhor que a canja fique boa, pensei.
Depois de três horas e uma dúzia de e-mails trocados com Kate, minha mãe conseguiu fazer a canja.
Houve algumas discussões pelo caminho. Ela comprou caldo de galinha com baixo teor de sódio, por exemplo, e obriguei-a a salgar a sopa. “Estou me recuperando da cirurgia”, falei. “Quero sal!” Mas a cara estava ótima e o cheiro também. Era obviamente uma canja, e feita com amor.
Só precisávamos da massinha.
Observei minha mãe esvaziar um pacote inteiro de meio quilo de massinha na sopa. Nesse exato momento, Kate me mandou um e-mail. Assunto: Massinha. “Esqueci de dizer a quantidade”, escreveu. “Ela pôs o pacote inteiro? Na verdade, devia ser no máximo… uma xícara.”
Observamos com horror o macarrão sugar toda a sopa. Tentamos pôr mais água, mas já era tarde demais. Eu e minha mãe ficamos na cozinha passando freneticamente com as colheres o resto de caldo para os pratos.
“A culpa é minha!”, escreveu Kate.
– A culpa é minha! – disse mamãe.
Arrá, o ingrediente final: culpa.
Mas vou lhes contar uma coisa: aquele prato de canja com massinha estava delicioso. Não pensamos no panelão de massinha encharcada de sopa lá na cozinha enquanto comíamos, nem pensamos nas imperfeições da vida. Fui a melhor convidada para o jantar da minha mãe, e ela foi a minha chef favorita.