Quando tinha 4 meses de idade, fui levado por minha mãe para um orfanato. Ela havia brigado com meu pai e, sem contar a ninguém, decidiu não mais ficar
Redação | 16 de Maio de 2019 às 19:00
Quando tinha 4 meses de idade, fui levado por minha mãe para um orfanato. Ela havia brigado com meu pai e, sem contar a ninguém, decidiu não mais ficar comigo nem com minha irmã mais velha. Como minha mãe tinha problemas de saúde, acabou morrendo sem que ninguém na família soubesse onde estávamos. O Juizado determinou que eu ficasse no orfanato Nosso Lar e minha irmã fosse para outro lugar, pois, na época, não faziam questão de que irmãos ficassem juntos.
Acho que, por ter sido abandonado, entrei numa espécie de reclusão, ficava no meu mundinho, isolado, não me relacionava com ninguém. Tinha o costume de bater as costas na parede e era também muito agressivo com as outras crianças. Talvez fosse para chamar a atenção. O fato é que, depois de alguns exames, recebi o diagnóstico de autista. Eu tinha 3 anos.
Cresci no orfanato sendo tratado como doente. Quando completei 8 anos, comecei a achar aquilo muito ruim. Por eu ter sérios problemas de aprendizado, todos diziam que eu não teria futuro, que não seria capaz nem de terminar o ensino fundamental. Passei a refletir sobre o que me diziam e prometi para mim mesmo que iria provar para todos que eu era capaz e que teria um futuro, sim. E disse para minhas mães no Nosso Lar que um dia seria veterinário.
Comecei a estudar, fui para a escola e me esforcei para ter um comportamento normal. Consegui aprender a ler aos 12 anos e, recém-alfabetizado, participei de um concurso de redação na escola. Era sobre a natureza e os animais e chamou a atenção dos professores. Parecia uma redação de um garoto normal e não de um autista. Isso surpreendeu a todos.
A partir daí deslanchei.Em 1994, aos 16 anos, consegui meu primeiro emprego no zoológico de Brasília, como estagiário. Sempre tive interesse por animais. Eu me esforcei tanto que acabaram gostando de mim e fui contratado no fim daquele ano, como encarregado de visitas monitoradas e dos programas educativos.
Quando completamos 18 anos, somos obrigados a sair do orfanato. Consegui ficar mais um ano lá e, aos 19, ao sair do Nosso Lar, ainda estava na 8ª série. Ao contrário da maioria, decidi continuar na escola. Tinha fixado na mente o meu grande objetivo.
Quando terminei o ensino médio, tinha 21 anos. Conversei com minhas mães no orfanato e elas pagaram um cursinho pré-vestibular para mim. Também me deixaram voltar a morar lá por um tempo, para poder estudar melhor. Fiz as provas.
Até que, em um dia de julho de 2001, recebi uma ligação no Nosso Lar. Era da faculdade União Pioneira de Integração Social (Upis) dizendo que eu tinha passado para Medicina Veterinária, em 1º lugar! Fiquei abobalhado, sem acreditar. Quando desliguei o telefone, me sentei no sofá, e contei para as minhas mães o resultado. Todo mundo pulou de alegria. Espalharam a notícia pela comunidade espírita, que mantinha o Nosso Lar. Foi uma festa.
Como eu não tinha condições de pagar a faculdade, o Nosso Lar batalhoucomigo por uma bolsa. Consegui uma de 70% e o Nosso Lar me ajudou a pagar os outros 30%. Precisava conciliar a faculdade com o trabalho, e o curso acabou se estendendo mais – levei oito anos para me formar. Mas consegui!
Ainda continuo trabalhando no Zoológico de Brasília e, assim que conseguir o registro profissional, vou mudar de função e serei médico-veterinário de lá. Consegui reencontrar minha irmã e conheci minha família. Sou casado e tenho duas filhas lindas. Tudo o que consegui foi a educação que me proporcionou. Se você faz a sua parte e mostra que merece, as pessoas acabam ajudando. Sozinho ninguém consegue nada.