Ele estava empolgado com o começo dessa viagem de uma semana, mas meio zonzo depois do voo noturno de cinco horas. Enquanto o sol nascia rosado sobre o oceano e iluminava as rochas de lava cobertas de neve ao longo da costa, Santillan seguiu fielmente as instruções do GPS do automóvel, uma calma voz feminina que o instruía a chegar a um endereço na Rua Laugarvegur – à esquerda aqui, à direita ali.
Mas, depois de parar numa desolada rua de cascalho ao lado da placa de um posto de gasolina, Santillan ficou com a sensação de que a voz o levava para o outro lado. Estava dirigindo havia quase uma hora, mas o GPS estimava que a hora de chegada ao destino era 17h20, dali a oito horas. Ele redigitou o destino e obteve o mesmo resultado. Embora sentisse que havia algo errado, decidiu confiar na máquina.
Quanto mais dirigia, menos carros ele via. A estrada ficou mais gelada. A sonolência nublava seu cérebro, o estômago vazio roncava. As únicas estações de rádio que encontrava transmitiam apenas programas de entrevistas em islandês. Como não o configurara para uso internacional, o celular não podia ajudar. Por volta das duas da tarde, enquanto os pneus derrapavam numa estrada na montanha que contornava um penhasco íngreme, ele teve certeza de que o GPS o enganara.
Estava perdido e, apesar da insistência do GPS, muito longe do hotel.
Não havia outros motoristas na estrada, e praticamente a única opção era seguir a linha na tela até seu misterioso destino. “Eu sabia que chegaria a algum lugar”, diz ele. “Não sabia aonde mais poderia ir.”
As instruções terminaram numa pequena casa azul numa cidade minúscula. Uma loura bonita de olhos azuis o recebeu à porta. Ela sorriu quando ele gaguejou sobre o hotel e lhe entregou sua reserva.
Não, disse ela, ali não era o hotel, e ele não estava em Reikjavik, que ficava 360 quilômetros ao sul. Estava em Siglufjördhur, uma aldeia de pescadores com 1.300 habitantes, no litoral norte. A mulher, que se chamava Sirry – pronunciado como a auxiliar eletrônica da Apple que dá instruções aos usuários de iPhone –, logo descobriu o que tinha acontecido. O endereço no site de reservas Expedia e no voucher impresso estava errado. O hotel ficava na Rua Laugavegur, mas o Expedia tinha posto um “r” a mais no nome: Laugarvegur.
A minúscula Siglufjördhur é confundida com Reikjavik por um GPS.
Santillan se hospedou num hotel local para dormir, com o plano de voltar a Reikjavik no dia seguinte. Quando contou a história à recepcionista, ela riu. “Sinto muito. Eu não deveria rir disso”, disse ela, “mas é engraçado.”
Na manhã seguinte, quando ele foi fazer o check-out, a piada ficou ainda maior. “Alguns repórteres querem falar com o senhor”, disse a recepcionista do hotel.
Sirry publicara no Facebook a história absurda, que logo foi compartilhada. Um amigo dela, editor de um site islandês de viagens, fez uma postagem em seu blog sobre o “incidente engraçado e extraordinário”. Logo o infortúnio do rapaz atraiu o interesse de jornalistas de rádio e TV.
E não eram só eles que queriam falar com Santillan. “Todo mundo na cidade sabia de mim”, diz ele. Alguns siglufjördhurenses foram ao hotel lhe dar as boas-vindas e tirar fotos. Um deles lhe ofereceu um passeio pelo orgulho e alegria da cidade, o Museu Islandês da Era do Arenque. O cozinheiro do hotel lhe preparou um guisado de carne à moda local por conta da casa.
Contente com toda a hospitalidade, Santillan decidiu ficar mais uma noite. No dia seguinte, apareceu na TV e explicou ao repórter que, no passado, sempre achara o GPS muito confiável. Naquela noite, ao chegar a Reikjavik, ele tinha se transformado numa grande sensação na mídia do país, que o apelidou de Turista Perdido. O tabloide islandês DV se espantava com o americano que, apesar de todos os sinais de alerta,“decidiu confiar no GPS”.
Não demorou para sua experiência virar notícia internacional, com cobertura do Daily Mail, da BBC e do New York Times.
O gerente do hotel de Reikjavik viu as notícias sobre a odisseia de Santillan e, para compensar o sofrimento do viajante, lhe ofereceu estadia gratuita e uma refeição no restaurante de frutos do mar ao lado.
Nas ruas cheias de gente comemorando o Festival Anual das Luzes de Inverno, islandeses acorreram ao Turista Perdido para tirar selfies e o encheram de doses do Brennivin, o veneno local: uma aguardente não adoçada. Enquanto um grupo tocava rock lá fora, Santillan não parava de ouvir pessoas gritando seu nome. Alguns rapazes o arrastaram pela escada de um clube de strip-tease, onde uma das dançarinas também sabia seu nome. A coisa toda parecia surreal. “Era como se aquilo não estivesse acontecendo comigo”, diz ele.
Mas o rapaz aproveitaria o máximo possível. Quando o gerente de marketing de uma das atrações turísticas mais famosas do país, o spa de águas termais Blue Lagoon, lhe escreveu, oferecendo uma visita gratuita, Santillan foi para lá no dia seguinte. O endereço já estava pré-carregado no GPS do carro, pois era para lá que todo mundo ia.
Enquanto dirigia sob o céu do inverno, Santillan se espantava com tudo o que acontecera.
Havia pouco tempo, ele era apenas mais um trabalhador em Nova Jersey. Agora, era uma celebridade. Ele se imaginou descansando nas águas azul-cobalto, respirando o vapor. Mas, meia hora depois, quando o GPS lhe disse que tinha chegado, ele teve uma sensação de desânimo. Pela janela, não se via nenhum sinal de águas termais, apenas um prédio pequeno e solitário no meio do nada. O Turista Perdido se perdera de novo.
Por alguma razão, o GPS não o levara ao Blue Lagoon, mas a um centro de convenções numa estrada vazia. Quando entrou no prédio, ele foi reconhecido. O fato de ter se perdido novamente tornou sua história ainda mais convincente. Depois de posar para fotos com paciência, ele sucumbiu ao jeito antigo de chegar aos lugares: seguiu as instruções dadas por outro ser humano.
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E assim, com o GPS desligado, ele seguiu viagem.
Não demorou para estar de molho num banho vaporoso, com lama vulcânica branca passada no rosto. Nisso, já prometera voltar à Islândia. Talvez, pensou, eu venha morar aqui em algum momento.
Até lá, ele tem algo para lhe recordar suas desventuras: um GPS islandês. Foi um presente da locadora de automóveis quando ele devolveu o Nissan. É um lembrete de seu período como o Turista Perdido, apelido que considera uma medalha de honra.
“Gosto dele”, diz, “porque é assim que descobrimos coisas interessantes. Quem não se perde nunca vai se achar.”
Por DAVID KUSHNER da revista OUTSIDE