Seria uma noite como todas as outras em uma casa de mornas rotinas. Nada nunca de novo, nem para o bem nem para o mal. O que mais desesperava a menina era A menina sonhava com algum acontecimento que tirasse a família da rotina, com que todos pareciam satisfeitos, menos ela. Qualquer acontecimento, mesmo uma aparição que não fosse muito agradável.
Seria uma noite como todas as outras em uma casa de mornas rotinas. Nada nunca de novo, nem para o bem nem para o mal. O que mais desesperava a menina era que a família parecia adorar a rotina, os dias sempre iguais, enquanto ela sonhava com o dia em que um crocodilo iria aparecer socando o rabo na porta da sala, todos abririam e o convidariam para jantar. Claro que o pensamento era mórbido porque o jantar do bicho seria a própria família, mas isso a menina descobriu só depois de imaginar a insólita visita.
De tanto esperar por alguma coisa diferente surgindo no cenário de uma vida sem aparições, uma noite veio o inesperado: na parede do quarto da menina, bem no alto, uma aranha gigantesca e peluda se movia lentamente. A menina deu um berro imenso, o que imediatamente convocou todos na casa para a prontidão. Ninguém teve coragem de agir, a não ser a senhora que trabalhava na casa, Maria, a mesma com quem a menina adorava trocar conversas sobre o passado dela em uma pequena cidade do Ceará.
De tanto enfrentar tragédias, Maria se tornou forte a ponto de não se acovardar diante de uma simples aranha.
Pegou um cabo de vassoura e conseguiu derrubar o bicho e estraçalhá-lo com o chinelo. Nem lhe ocorreu poupar o bicho que, afinal, ainda não tinha feito nada. Maria sabia do que ela era capaz. Já havia domado antigas aparições.
Para alívio de todos, a família logo depois pôde voltar à morna rotina dos dias comuns e todos teriam assunto para uma eternidade. Era o modo de viver fingindo emoção.
A menina voltou ao desenho. Mãe, pai e irmão já dormiam, como sempre. Ela era a última. Só tinha sono de madrugada. Ficava horas inventando realidades absurdas para fugir daquela vidinha comum. O que mais a desesperava era que ninguém ali fazia o menor esforço para que uma pequena loucura, mesmo bem miúda, desconstruísse os dias.
No desenho, uma aranha gigante, maior do que os móveis, tomava conta do quarto. Era a verdade inventada, que, na imaginação, acontecia.