Solitária em um país estrangeiro, a narradora se dirige a uma loja de departamentos em busca de uma bebida quente e de pessoas à sua volta.
Estava muito longe de casa. O frio aumentava a distância e igualmente a percepção de que ainda demoraria um bom tempo até que pudesse voltar a seu país. Era uma tarde perdida de domingo, não tinha nada a fazer a não ser andar em vão pelas ruas ou se enfurnar no quarto do hotel. Naquele momento, percebeu que, se ficasse no quarto, sem ver pessoas reais a não ser pela televisão, talvez ela se esquecesse da sua própria condição de gente. Mesmo que não conseguisse trocar palavras com estranhos na rua, resolveu arriscar uma saída. Foi tomar um café.
O café aberto para a rua era um desespero de frio. Havia poucos lugares assim naquela área da cidade. A opção era entrar em uma grande loja de departamento e procurar um café lá dentro. Cidades geladas têm lojas de departamentos gigantes que vendem de tudo. Chegou ao local e, a princípio, ficou feliz em ver muita gente. Mas não durou nada a satisfação. Logo veio a agonia em ver rostos estranhos que compravam tapetes e luminárias, pessoas animadas para voltarem paras suas casas. Ela não tinha casa ali. E o fato de estar sozinha em um hotel aumentava a sensação de raiva por aquelas pessoas que, em família, saíam no domingo para mobiliarem suas casas.
Finalmente encontrou um restaurante. Achou que poderia ficar algumas horas, meditar, tomar um bom café, quem sabe um chocolate quente. A sopa de salmão era o cheiro da cidade e estava mais forte do que nunca. Talvez não aguentasse ficar tanto tempo como imaginou.
Quando estava tomando sua bebida quentinha, acolhida em seu pequeno mundo solitário, observou na frente um homem igualmente sozinho que tinha as mãos todas carcomidas. Alguns de seus dedos aparentavam estar em pedaços. Ele olhava para algum lugar distante. Não parecia se importar com mais ninguém; tinha a impressão de que não via mais ninguém. Ninguém o via.
Ela, porém, era uma ninguém. E conseguia vê-lo em seu despedaçamento.
Sabia que não poderia invadir sua ilha, dizer alguma coisa, puxar conversa, oferecer um café. Depois pensou: por que motivo ele ia querer? Só porque tinha um problema nas mãos?
Foi quando se lembrou da dimensão despedaçada que ela também trazia, só que por dentro. Ainda não tinha conseguido juntar todos os cacos que, um dia, fizeram o estrago. Estava sozinha, muito longe do projeto de vida que um dia tinha construído para si. Não sabia para onde ir nem com quem contar. A verdade é que ela poderia morar ali, naquela ilha que era a mesa do café, na loja de departamentos, e ninguém daria falta dela.
Continuou onde estava até quando o homem se levantou e foi embora. Ele tinha um destino. A imagem de suas mãos ficou um bom tempo na sua mente para lembrar-lhe da sua própria ruína interna. Precisava inventar, também ela, um destino que era diferente daquelas famílias que compravam luminárias e tapetes – ela talvez tivesse o destino de ver os fragmentados. O que ninguém via…
Antes de sair da loja, comprou vários chocolates. Estava de algum modo feliz porque, de repente, percebeu que tinha um dom.