A vida nos desafia com diversos naufrágios, pequenos ou grandes. Às vezes nem quem nos ama percebe quando estamos enfrentando um deles...
Aos oito anos ela conheceu a primeira quase morte de sua vida. Mal sabia que haveria muitas até que aprendesse a partir de vez. Naquela manhã quente, a menina na praia nadava nas águas rasas do oceano. Os pais provavelmente pensavam em contas a pagar ou em qualquer outra coisa que não fosse a filha à frente deles…
Ela brincava na praia como se estivesse em uma piscina particular. O mar adiante, misterioso e indevassável, era um além-vida. Ela não imaginava como seria nadar naquelas águas fundas e longínquas. A eternidade de sua infância seria a pocinha de águas calmas e cristalinas que mal cobriam seus joelhos.
Ficou ali horas e horas. Fingia estar em uma realidade paralela – com que facilidade ela fugia do mundo óbvio para só depois voltar à vida das coisas, feliz por ser capaz de respirar no mundo imaginário que criava, onde tinha brânquias especiais.
Mas a vida, como se sabe, pode ser cruel.
E o mar longínquo pode de repente invadir a pequena água rasa da praia…
Havia naquela manhã inocente vários buracos que a noite anterior de ressaca tinha deixado – eram as pegadas do mar-monstro, crateras que podiam puxar gente para o infinito de sua escuridão.
A menina caiu em uma destas pegadas. E morreu um pouco.
Neste momento em que ela morria, incapaz de fazer suas brânquias imaginárias funcionarem no mundo-água, uma moça na areia segurava sua filha de aproximadamente dois anos pela mão. Ela talvez tenha sido a única em toda a praia a perceber que talvez fosse muito cedo para a partida definitiva. Com o braço que sobrava livre, puxou a menina para a vida novamente.
Foram segundos do jogo vida e morte.
Quando a menina conseguiu romper o limite entre a água e o ar, deu de cara com o céu azul e pensou: que bom que não morri – ainda. Esse “ainda” ela não disse nem pensou, porque a percepção do “ainda” só viria com o tempo, quando ela se lembrasse de pensar que um dia a gente morre.
Saiu correndo da água sem agradecer pelo salvamento do pequeno naufrágio. Por toda a vida ela se lembrou da moça que estendeu um dos braços para ajudá-la. Não contou aos pais. Talvez nem eles soubessem que na água rasa também se afunda.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora, autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)
Quer se emocionar com outras histórias de Claudia Nina? Clique aqui.