Um amigo imaginário pode marcar a vida de uma criança, principalmente quando se trata de alguém tímido e retraído. Podem até parecer muito reais.
Redação | 3 de Fevereiro de 2019 às 09:30
Ai de quem se sentasse em cima do Roberto. A menina dava um grito, e a pessoa saía voada, sem entender. Só ela via o garoto – na praia, na praça ou no colégio. Ele a acompanhava como um amigo-guardião. Não que fosse mais velho ou aparentasse mais sabedoria. Era apenas alguém que compartilhava com ela os momentos e fazia com que a menina se esquecesse de que a vida pedia que ela também tivesse amigos reais. Estava tão feliz com Roberto, que nem pensava que talvez o mundo a julgasse pela aparente solidão.
Brincavam juntos no recreio, faziam o dever de casa. Durante as férias, o lugar do Roberto no banco de trás do carro estava sempre reservado, mesmo que a tia também fosse. Ela ainda não tinha irmãos, então Roberto fazia o papel e estava tudo bem, não sentia falta de nada na vidinha. No colégio, as professoras desconfiavam que a menina pudesse ter algum problema porque gostava de falar “sozinha”; não entendiam quando ela explicava que não estava sozinha e sim ao lado do Roberto, que era tão de carne e osso aos seus olhos que nunca lhe passou pela cabeça que as outras pessoas não o vissem.
O auge da amizade foi aos 5 anos, quando ela já podia conversar durante horas com o menino. Ele prestava imensa atenção em tudo o que ela dizia. Como gostava de falar aquela menina – ela era pequena, mas tinha uma conversa gigante.
Ele sempre lá: companheiríssimo.
Até que os 6 anos da menina vieram com um presente: ela ganhou um irmão. Não se sabe se foi por este motivo, mas a coincidência foi que, tão logo o bebê surgiu em casa, Roberto desapareceu. A menina não podia mais vê-lo, sequer em sonho.
Desfez-se o amigo imaginário que era muito real, diga-se de passagem, porque um dia ela ouviu até uma respiração longa, como um suspiro.
Ela o procurou em toda a parte. No recreio, foi até o topo da pequena colina escondida no fundo do pátio e nada… Onde estaria Roberto?
Ficou triste porque teria que aprender a fazer outros amigos e a brincar de outras coisas – será que os novos amigos saberiam conversar como Roberto? A menina faladeira talvez precisasse experimentar um pouco outras formas de ser feliz.
Naquele primeiro dia, percebeu que seu amigo não era real como eram as pessoas do mundo visível, mas não tinha a menor importância. Ela continuaria gostando dele mesmo sendo transparente. Rezou para que ele voltasse. Mas nada. Nunca mais Roberto apareceu. A menina seguiu a vida, e os anos foram longos. As décadas se multiplicaram lentamente. Teve vários amigos, mas nenhum tão amigo quanto Roberto, que também sabia falar coisas importantes e outras bem divertidas.
O tempo passou tanto que ela acabou esmigalhando a saudade e não mais se lembrou do Roberto.
Apagou de vez a lembrança do menino.
A saudade voltou só muito tempo depois, quando a menina virou velhinha e começou a relembrar a vida toda, desde menina. Ela se esquecia do que havia comido no almoço, mas se lembrava perfeitamente do passado mais distante. E um dos passados mais distantes na vida dela foi o dos seus 5 anos, onde morava Roberto.
Aí percebeu por que motivo o menino fora tão especial: ele era, de fato, transparente…
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