Uma vez tomada a decisão da separação, era preciso livrar-se dos fantasmas que habitavam os objetos e móveis da casa.
Foi uma semana bem dolorosa, o tempo mais difícil desde que havia tomado a decisão acertada da separação – saia, não volte. Naquele momento foi fácil, três palavras deram conta de uma sentença definitiva: SAIA, NÃO VOLTE. O tempo que seguiu não foi fácil, pelo contrário, foi uma tormenta ter que olhar para os objetos e móveis, as roupas que ainda restaram como se vestissem fantasmas.
O movimento de fazer sumirem os objetos e os móveis foi lento. Não conseguia se desfazer de tudo ao mesmo tempo, até porque a casa viraria um deserto total – sem a pessoa dele e ainda sem os móveis. Aguentou. Mas as roupas se foram, claro, e levaram junto os fantasmas vestidos.
Na lenta decomposição da antiga casa, desmontou peça por peça como em um jogo de quebra-cabeças ao contrário. Teria que desfazer a imagem que era o mapa onde estava desenhada a figura de ambos.
Os móveis da casa eram os pedaços que jamais se juntariam.
Livrou-se do que mais a incomodava, o que lhe trazia lembranças das peças do quebra-cabeças que ela queria desfazer, como a cristaleira e os lustres, o sofá da sala, os armários que durante uma década acomodaram as roupas dos fantasmas e, principalmente, uma poltrona onde ele sempre se sentava à noite.
Não teria como se desfazer de todo o resto. O vazio poderia ser pior. Restaram então algumas peças que, juntas, não formavam imagem nenhuma.
Até que um dia percebeu. Sim, havia uma peça que precisaria sumir com urgência: a cabeceira da cama! Como chegou a pensar que poderia continuar vivendo com o ranger daquela cabeceira, que era uma peça-chave da imagem que desmontava?
Foi então que ordenou o corte daquela cabeça definitivamente.
O colchão ficaria livre e silencioso nas noites de paz.
Cortar a cabeça, o ato final.