O passeio da turma do 6º ano ao asilo causa um profundo impacto à menina que, sem nunca ter tido contato com idosos dependentes, não sabe como agir.
Já tinha ido a museus, fazendas, zoológico, parques e a outros lugares divertidos com a escola. Mas as fazendas, o zoológico, os parques e os outros lugares divertidos se confundiam, misturados e indissociáveis na memória. Aquele passeio diferente, porém, não se perdeu como os outros. Ela guardou, lenço amarfanhado, o dia especial: a visita da turma do 6º ano ao grande asilo da cidade.
Tinha 12 anos e, pela primeira vez na vida, conheceu de perto um museu de velhos que não eram como os avós, ainda fortes e seguros, que iam a mercados e compravam rosquinhas para distribuir para os netos. Eram crianças ao contrário. Tomavam sopa com babadores em colheradas oferecidas por pessoas que pareciam babás; alguns sorriam para a parede, outros dançavam sem música. Alguns eram tristes e não diziam nada, sequer piscavam os olhos. Outros não sabiam que viviam.
A visita
As crianças foram convidadas para acompanhar o almoço e ajudar no que pudessem. Conheceram a cozinha e os quartos. Era uma casa bem grande com espaço para que os velhos se espalhassem e não tropeçassem uns nos outros.
A menina entrou silenciosamente nos aposentos, conheceu os velhos de longe, não queria se envolver – medo do contágio? Como se pega velhice?, ela pensava. Dentro de sua aparente frieza, achou que fosse capaz de passar pela aprendizagem da visita como se nada alterasse sua estrutura. Entrou e observou.
Faria o que mandassem, a visita seria apenas um momento escolar como tantos outros, tomara que valesse ponto de comportamento no final do semestre.
Mas.
O convite
Era o restinho da hora do lanche para alguns que haviam almoçado mais cedo. Ela olhava mais atentamente um dos velhos, quieto e elegante no seu canto. Parecia alheio ao movimento das coisas. Até que ele puxou uma cadeira e sugeriu que a menina se sentasse ao lado dele. Ela ficou estática por alguns segundos porque não sabia como interagir com os velhos e tinha receio de que eles se quebrassem se ela fosse desastrada como de costume.
Não se sentou. Ficou rígida e em pé, aguardando o comando de retirada da professora. Os colegas com mais agilidade conseguiram se entrosar e cada um fez sua dinâmica – ela com dificuldade fingia que sorria ou que se mexia.
Não sabia com que gesto iria negar a aproximação do velho elegante que oferecia a cadeira para que se sentasse ao lado dele. Preferiu se afastar. Mas não conseguiu retirar o olhar com a mesma rapidez com que retirou o corpo – os olhos ficaram grudados na reação do velho diante do seu afastamento.
A despedida
Foi então que, já na saída, quando estava perto da porta, viu que o velho ainda segurava a cadeira vazia e tinha os olhos molhados. Sentiu-se culpada. Em vez de pensar que as lágrimas do senhor eram mais antigas que os dinossauros, pensou que ele chorava pela recusa. E os dois, menina e velho, trocaram olhares molhados até a hora da partida, quando não podia mais voltar atrás. A menina havia perdido a chance de aprender como chegar perto da velhice sem despedaçá-la.
Assim que saiu, deu de cara com o rio – o grande museu dos velhos da cidade ficava de frente para uma orla que tinha o pôr do sol mais bonito que conheceu. Ela, que rodou o mundo, não descobriu um entardecer mais laranja do que aquele. De alguma forma, a visita aos velhos e o pôr do sol ficaram para sempre associados na sua memória.
Talvez a tarde sumindo dentro de um rio fosse uma forma de despedida.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora – autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)