Ela fez do sofá vermelho o símbolo do que era importante em sua vida. Tarde demais percebeu (ou será que não?) que havia outras coisas.
Claudia Nina | 11 de Julho de 2021 às 10:00
Era uma sala de visitas sem visitas não fosse pela nora chique para quem o sofá vermelho de napa estava reservado. O resto, netos, netas e demais familiares não podiam frequentar o espaço sagrado. Tinha até uma mesa com uma jarra de cristal. Dentro, um líquido laranja que um dia a neta quase bebeu. Socorreram às pressas. Não era suco, era corante ou veneno. A sala então era uma espécie de santuário do qual a senhora cuidava com rigor. O sofá era o ponto alto, o sorriso de toda a pequena casa.
Quando a nora chegava, tinha salgadinho, mas tudo era contado senão faltava. Os netos não podiam comer, ficavam olhando. Se sobrasse, aí sim, depois a farra na cozinha. Sentadas no sofá, a senhora e a nora conversavam sobre assuntos aleatórios durante três horas mais ou menos, quando a moça se levantava, arrumava a saia e ia embora. A senhora ficava muito feliz pela escolha do filho caçula que, ao contrário dos outros, soube bem encontrar mulher à altura de se sentar naquele sofá precioso.
O filho e a nora sumiram no mundo. Os netos cresceram, como era de se esperar, e cada um seguiu um rumo diferente. A casa da senhora ficou cada vez mais vazia. E o sofá intocado envelheceu também.
Até que um dia a senhora foi retirada à força da sua morada, pois já não conseguia discernir onde ficava o quarto e onde estava o banheiro. A casa foi esvaziada. O dia em que o sofá saiu pela porta da cozinha foi como se o sorriso da casa desaparecesse. Um batom vermelho na fisionomia da mobília tão sóbria.
Se talvez ela tivesse povoado seu espaço sagrado com mais visitas, quem sabe o velho sofá tivesse mais histórias para contar…
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