Ela fez do sofá vermelho o símbolo do que era importante em sua vida. Tarde demais percebeu (ou será que não?) que havia outras coisas.
Era uma sala de visitas sem visitas não fosse pela nora chique para quem o sofá vermelho de napa estava reservado. O resto, netos, netas e demais familiares não podiam frequentar o espaço sagrado. Tinha até uma mesa com uma jarra de cristal. Dentro, um líquido laranja que um dia a neta quase bebeu. Socorreram às pressas. Não era suco, era corante ou veneno. A sala então era uma espécie de santuário do qual a senhora cuidava com rigor. O sofá era o ponto alto, o sorriso de toda a pequena casa.
Quando a nora chegava, tinha salgadinho, mas tudo era contado senão faltava. Os netos não podiam comer, ficavam olhando. Se sobrasse, aí sim, depois a farra na cozinha. Sentadas no sofá, a senhora e a nora conversavam sobre assuntos aleatórios durante três horas mais ou menos, quando a moça se levantava, arrumava a saia e ia embora. A senhora ficava muito feliz pela escolha do filho caçula que, ao contrário dos outros, soube bem encontrar mulher à altura de se sentar naquele sofá precioso.
Só que o tempo passou…
O filho e a nora sumiram no mundo. Os netos cresceram, como era de se esperar, e cada um seguiu um rumo diferente. A casa da senhora ficou cada vez mais vazia. E o sofá intocado envelheceu também.
Até que um dia a senhora foi retirada à força da sua morada, pois já não conseguia discernir onde ficava o quarto e onde estava o banheiro. A casa foi esvaziada. O dia em que o sofá saiu pela porta da cozinha foi como se o sorriso da casa desaparecesse. Um batom vermelho na fisionomia da mobília tão sóbria.
Se talvez ela tivesse povoado seu espaço sagrado com mais visitas, quem sabe o velho sofá tivesse mais histórias para contar…