No dia do enterro do avô, inexplicavelmente a menina mergulhou no silêncio seu relacionamento com a avó. Será que na idade adulta ela saberia explicar?
Claudia Nina | 17 de Maio de 2020 às 10:00
Ninguém, nem mesmo a mãe, conseguia explicar o motivo daquele silêncio. O fato é que, a partir do dia da morte do avô, a menina deixou de falar com a avó. Fechou a cara tão logo soube da notícia; fechou o silêncio com chave. A recusa era um quarto trancado – só a menina entrava.
Ela tinha 5 anos. As histórias sobre as bebedeiras do avô e as brigas com a avó eram espalhadas pela família, mas não se sabe se ela conseguia entender. Provavelmente sim porque não dava muita atenção a ele; era implacável em seus julgamentos de menina. Algo que a mãe achava estranho: como uma criança podia ter tanta certeza do que gostava e do que não gostava nas pessoas? E como conseguia, só com o olhar, deixar isso bem nítido?
A conversa com a avó foi interrompida no dia do enterro do avô. A menina estava com um vestido curto branco, com uma renda bem fina na barra. O registro ficou nas fotos. Ela agarrada à perna da mãe. A avó no extremo oposto. Quem sabe depois de algumas tentativas de chegar mais perto da única neta para consolo.
Quando voltaram para a casa, no carro os questionamentos morreram em mais silêncio. Por nada a menina contava os motivos misteriosos que se escondiam por trás do recolhimento. Ela até ia visitar a avó todos os domingos no Catete, mas era uma visita de praxe e imersa no silêncio eterno. Não havia bolo de rolo nem chocolate que salvassem aquela relação que parecia ter morrido no dia do enterro do homem.
Virou mulher, mudou de país.
Até que um dia as circunstâncias uniram a família toda que restava novamente. Ela e a avó foram confrontadas. Enfim, algumas palavras foram ditas para uma senhora na cadeira de rodas, que envelhecia com aceitação ao sumiço lento da liberdade do corpo.
Nunca ninguém soube o motivo do silêncio de tantos anos.
Talvez nem a menina, que, caso soubesse, não teria coragem de contar nem a si mesma depois de adulta.