Nem todo ritual de família é agradável quando somos crianças. Mas, na idade adulta, sentimos saudades de todos eles.
A infância tinha seus rituais. Um deles era o de domingo nos finais de tarde. Depois da praia, o resto do dia era dedicado à obrigação: cruzar a cidade, ir até o Catete e jantar com a avó. No meio do caminho, no Fusca amarelo, o rádio do carro ligado no jogo de futebol. Ela odiava tudo aquilo com todas as forças, mas a manhã tinha deixado o sal: a lembrança da praia, do mar, das conchas e a pele queimada de sol para exibir no colégio.
O resto da tarde e parte da noite teriam que ser suportados com heroísmo. Assim que chegavam, a mesa já estava posta. O bolo de tapioca não podia faltar. Era duro, gosmento, mas tinha o gosto do domingo, e a menina se empanturrava dele com refrigerante. Comia enquanto o pai resolvia os assuntos da semana com a avó, que sempre tinha uma lista de reclamações para resolver. Sempre achava que estava morrendo, inclusive sentada à mesa. “Estou morrendo”, era a frase preferida da avó, mesmo que diante da mesa farta com filhos e netos como audiência. Mesmo tendo sido ela quem havia preparado tudo, cada detalhe da mesa farta.
A menina queria o bolo de tapioca e só. Não comia mais nada. Queria também ouvir as conversas dos adultos e entender como o pai solucionava com praticidade todas as questões. Ele tinha a palavra cortante, que diluía o drama da avó. Ele nunca acreditava que ela estivesse morrendo de fato, e com isso a ideia de uma tragédia ao pé da mesa posta era dissolvida de imediato.
A menina seguia comendo seu bolo que nem gostava tanto, mas gostava de comer e de ter com o que se ocupar durante aquele ritual obrigatório.
Quando o tempo da visita terminava, era a hora da volta. Já era noite fechada e no dia seguinte tinha aula. O sol ainda estava na pele e duraria até o próximo fim de semana. Na mochila, o pedaço de bolo de tapioca que a avó partira e lhe dera. A semana se alongava com a lembrança do ritual da infância, que era boa, muito boa.