Um beijo inesperado pode ser o começo de tudo: de um relacionamento, de um amor que pode ser para sempre. Mas, às vezes, tudo acaba e nem sabemos o porquê.
Eles tinham 18 anos quando se beijaram pela primeira vez em uma festa da escola. Ela não esperava que ele viesse em sua direção no meio do salão – não para dançar, porque o garoto não conseguia juntar um passo no outro, mas para simplesmente tirá-la de qualquer possibilidade de dançar com um dos rapazes. A moça-pião rodopiou até que os dois foram parar em um canto onde o beijo aconteceu. Não que estivessem escondidos de todos, pelo contrário. Entre os que dançavam tinha o Helinho, o fotógrafo da turma, que conseguiu registrar o momento. O resto da festa foi assim: o beijo prolongado ao infinito até chegar a hora de irem embora.
No dia seguinte, quando ela chegou ao colégio, a foto do beijo estava no topo do quadro negro; ela não sabia se ria ou se chorava de vergonha. Logo em seguida, o garoto chegou e foi correndo pegar a foto.
Entregou para ela e disse: é sua, guarda.
Com aquele gesto, começou o namoro. Já saíram dali, no fim do dia, de mãos dadas – era namoro de verdade porque tinha mãos dadas.
Logo ela entendeu que o rapaz que falava pouco, era direto e o melhor aluno da sala, gostava de dar coisas para que ela guardasse. Para comemorar a primeira semana juntos, deu a ela uma caneta. Mas não era uma caneta comum. Era vermelha transparente com um coração na ponta. Veio com a frase: “Achei tão singelo.”
“Singelo”.
A moça não gostou da palavra antiga, mas pensou que era uma espécie de embrulho invisível da caneta, que também tinha outro embrulho, o real, em papel cintilante. Já era muita coisa para guardar em pouco tempo…
Depois vieram os bilhetes – recados escritos nos cadernos, pedaços de papel ou caixas de chiclete que ele deixava na mesa dela com algum rabisco. Sempre com uma frase – direta, mas significativa. Ela ia guardando tudo, providenciou até uma grande caixa de madeira. Juntos continuaram pela vida afora, e ele sempre superando a capacidade dela de fazer pequenas surpresas diárias.
Vida agora foi muito tempo.
Até que um dia, não se sabe bem como começou, eles sumiram um do outro – perderam o fio transparente que os ligava. Era para segurar bem firme na pontinha, esqueceram-se disso…
E os guardados, onde estavam?
Perdidos igualmente. Como a caixa de madeira não acomodava todos os presentes da vida, ficaram dispersos, ela não cuidou de guardar. E um belo dia, já com mais idade, quando se lembrou de ver novamente a foto do beijo – cadê? Não achou nunca mais.
Se ao menos tivesse guardado o que se pode segurar nas mãos, nem tudo estaria perdido.
Jornalista e escritora, autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)