A alegria de conviver com os avós, tios e primos na cidade do interior era o ponto alto da vida solitária da menina filha única na cidade grande.
Claudia Nina | 7 de Julho de 2019 às 09:00
Eram meses de preparação para as férias na casa da avó. Ela, menina de família pequena na grande cidade, mudava-se durante três meses para uma família grande na cidade pequena. Ela adorava a confusão de tios, tias, primos e primas, todos misturados na algazarra. Só de se misturar naquela multidão já estava bom, mas ainda tinha os lanches na casa de doce e os almoços de domingo, lasanha e torta de pêssego.
Era uma alegria miúda, que se estendia por todos os meses das férias. Quando entrava dezembro, ela achava que a euforia nunca ia ter fim. Preferia acreditar que as aulas não recomeçariam nunca; odiava o colégio.
E março sempre avançava na direção do fim.
Era sempre uma tristeza imensa quando chegava a hora de entrar novamente no Fusca amarelo e voltar para a família pequena na cidade grande. O abafamento no carro aumentava a saudade do ar fresco que soprava na casa da avó, que tinha dois quintais abertos para o mundo.
Um dia, inconformada com o destino, resolveu fazer um afrontamento. Roubou a escova de cabelo da avó. Nunca soube o motivo de ter escolhido justamente a escova. Demorou para entender o motivo do roubo em si.
Sem ninguém perceber, enfiou a escova na bolsa cheia de quinquilharias, as mesmas que demoravam meses para serem devidamente preparadas para a viagem.
Logo a avó começou a reclamar do sumiço da escova. Logo seu roubo foi descoberto… Mas só foi entender a razão da pequena loucura quando a mãe lhe explicou o motivo.
– Foi para amenizar a saudade…
O entendimento lhe caiu como uma iluminação. Sim, ela precisou “roubar” uma parte do cenário daquela casa para se lembrar de que o calendário era algo que se repetia, e as férias voltariam novamente.
Ela, que tinha propensão ao esquecimento.
Novos “roubos” de saudade aconteceriam de outras formas…
Já que não se pode guardar pessoas nem pedaços de vida para sempre.