Um medo que se manifesta na infância pode se estender até a idade adulta. Como lidar com esse medo? Às vezes tudo que precisamos é de compreensão.
Redação | 30 de Setembro de 2018 às 10:25
Tinha 20 anos e morava sem a família em outro país. Estava no alojamento dos estudantes havia pouco tempo, mas parecia estar dando conta de tudo: lavar o banheiro, cozinhar, não deixar acumular poeira nem roupa suja. Tudo ia bem até o dia em que precisou do pai, que, coincidentemente, estava a trabalho em um país próximo. Ela sabia que ao primeiro grito de emergência ele apareceria do jeito que fosse para resgatá-la de qualquer perigo, em qualquer situação. Não estava de fato “em perigo”. A amiga com quem dividia o quarto ia viajar, era um longo feriado. Era também inverno, às 4 da tarde escurecia. Ela quase não conhecia ninguém, além dos colegas da faculdade com quem não havia estreitado amizade. O segredo não compartilhado por vergonha era o de que ela tinha medo de dormir sozinha, especialmente em um país estrangeiro, tão longe de casa.
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Nem os 20 anos que faziam dela uma pessoa adulta conseguiram deixá-la fortalecida na certeza de que saberia tomar conta de seu próprio sono. Tinha pavor da ideia de que poderia anoitecer sem que ninguém estivesse ao lado para dividir com ela a travessia de um dia para o outro. Tinha consciência de que o medo era um problema – resolveria quando pudesse. Mas naquele momento era a urgência.
A moça precisava do pai e se sentiu criança por isso. Lembrou-se de quando ele a fazia dormir contando histórias, as mãos fazendo riscos na noite. Naquela semana mesmo, ligou e pediu:
– Será que você poderia passar o feriado aqui comigo?
A resposta imediata foi:
– Posso sim, mas você está com medo de quê?
Ele queria saber se existia algum perigo real, se a filha estava de alguma forma se sentindo ameaçada no país estranho. Não, não havia perigo “real”. O que havia era o medo. O medo do medo. Simples assim.
Era uma infantilidade mal curada, poderiam dizer. Tivesse sido aquele pai mais rígido nos tempos de criança, a moça mão cresceria tão frágil. Mas ela era forte em tudo – quase tudo. Só não conseguia avançar pela noite sem ninguém. E a única amizade que tinha conseguido fazer era com a moça com quem dividia o quarto.
Combinaram a ida, tudo certo. No entanto, poucos dias antes da viagem, os aeroportos dos países vizinhos entraram em greve geral. Tudo parado. Parecia o caos. Ninguém saía de onde estava, os trens superlotados. Pânico interno – o que ela ia fazer?
Foi então que o pai disse a frase que seria para ela a maior declaração de amor que ouviu em toda a sua vida. Ninguém soube expressar maior consideração, cuidado e afeto do que ele no juramento:
– Filha, eu vou até você nem que seja de bicicleta.
Bastou aquela frase para que ela se acalmasse.
Os dias trouxeram a paz de volta, os aviões riscaram o céu novamente. O pai não precisou ir pedalando. Mas só de saber que ele faria o impossível para protegê-la da noite – mesmo sem a ameaça de um perigo real – já a fez se sentir forte. Talvez, pensou, se ele não tivesse conseguido chegar, faria daquele juramento uma oração.
“Vou até você nem que seja de bicicleta”. Ao longo da vida, seguiu com a certeza de que não há distância no universo para quem jura estar perto de alguém.
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