O instinto dizia que aquele jantar só de mulheres não seria promissor. A autora insistiu e acabou vivendo um momento muito constrangedor.
Chegou mais de uma hora atrasada ao jantar.Não diria a ninguém, mas precisava encontrar uma roupa que escondesse a falta de vontade de ir. Optou pelo vestido preto, seco e reto, mas a escolha demorou – chegou a cogitar a blusa florida, o que seria um susto. Ela queria chegar pronta para ir embora, quanto menos cor melhor.
Era um apartamento chique, onde estavam – cada uma em um canto do sofá – cinco mulheres. Chegou ao lado de uma amiga que seria o álibi da soltura e ainda a companhia que a salvaria do martírio anunciado. Quando ela apareceu, cabelo solto, carteira rosa (que erro!) e saltos altos marfim (lamentável, por que não a rasteira preta com pedrinhas?) viu que a disposição das mulheres parecia as peças de um jogo que ela definitivamente não queria jogar – por que se meteu a ir?
Cada uma tinha que levar um livro para ler um trecho. Era um sarau. Ela escolheu o romance que acabara de publicar e pelo qual sentia um grande amor. Sim, leria um trecho e depois da leitura os olhares cruzados sumiriam e todas virariam melhores amigas até o fim do jantar.
Só que muito raramente ela se enganava.
Sabia que aquele evento foi feito para não acontecer. Assim que a mesa do jantar foi posta, um sopão dentro de uma única panela gigante, as mulheres avançaram. Ela achou estranho que pessoas tão supostamente finas tivessem tanta fome. Ela não tinha pretensão de fineza. Além disso, já tinha comido alguma coisa antes, antecipando que provavelmente não teria comida de verdade por ali.
A sopa até que era boa. Muito boa. Prova disso é que as mulheres que avançaram a primeira vez avançaram de novo a ponto de rasparem o panelão. Teve uma que repetiu três vezes, não deixando nada para a outra que aguardava a vez de enfiar a colher com o prato suspenso. Quando viu que tinha acabado, o prato ficou sem sentido no ar e a mulher não teve coragem de dizer que ainda tinha fome.
Ela observava tudo de fora do cenário que não lhe pertencia. Talvez ninguém a tivesse notado ainda, era uma possibilidade, apesar dos breves cumprimentos iniciais.
Depois do jantar foi o momento da leitura, solene, de pé.
Umas leram seus próprios poemas, outras leram trechos de autores de que gostavam. Quando chegou a vez dela, imponente e quase animada, começou a ler um capítulo do seu romance que tinha como protagonista uma viúva que arrumava as caixas de uma mudança logo após a morte do marido.
Silêncio total durante a leitura.
Ela imaginou um grande sucesso cheio de aplausos ao final e caprichou na entonação. Assim que terminou, o silêncio foi ainda maior. Nada, nem uma palma sequer.
Uma das mulheres, a que tinha abocanhado o resto da sopa, fez uma cara de reprovação.
Ela pensou que mal teria feito e onde estava seu erro.
A dona da casa, por fim, elogiou o texto: “Muito bonito, eu sei o que é isso.”
Foi então que uma percepção desceu do teto em forma de luz súbita. A dona da casa era ela mesma uma mulher viúva e, talvez para todas, tenha parecido uma falta de traquejo ou de sensibilidade a leitura justamente de um trecho como aquele – “eu sei o que é isso”. Por “isso” entendia-se a viuvez, claro.
Ela percebeu o grande erro.
Não, o grande erro não foi ter lido o trecho escolhido.
O grande erro foi ter ido de preto.
Levantou-se, pediu licença para ir ao banheiro e saiu pelos fundos.
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