Uma mulher aceita ir a um encontro às cegas com um homem que não via há muitos anos. Ao chegar lá, percebe que cometeu um erro fatal.
Claudia Nina | 21 de Março de 2021 às 22:34
Ela sabia que seria um erro. Um encontro quase às cegas… Fazia um tempo enorme que não o via. A possibilidade de o cara ter se tornado ainda mais estranho era imensa, mas, como ele insistiu ao ponto da exaustão, e tinham sido inúmeras as negativas, não conseguiu fugir da obrigação. Há pessoas que não sabem quando não devem insistir. Aquele era o caso.
Combinou de ir com a amiga, que entraria primeiro na livraria, o local escolhido. Ela teria que ir como uma sonda inspecionar o conteúdo da área e detectar o objeto estranho – no caso o homem. Ela iria depois, já sabendo o que esperar, dependendo da descrição da amiga. O plano perfeito.
A amiga entrou e não foram precisos mais de cinco minutos para dar de cara com o sujeito. Só poderia ser ele.
– E aí, viu alguém? – ela perguntou, no estacionamento em frente.
– Já vi. Ele está de blazer azul-marinho, tem barba, é alto, muito magro, uma bolsa a tiracolo…
– Sim. Só pode ser ele…
Ela assumia o erro fatal, desde as primeiras palavras descritivas: blazer azul. A combinação com a bolsa a tiracolo completava o desastre, pois o aspecto de fora era apenas uma parte – a menor – do que havia dentro: um homem confuso, perdido, insistente e cansativo.
– Pode dizer: é horrendo né?
– Ah, amiga… Ele é bem estranho sim.
Não estava com a mínima disposição em travar contatos imediatos com seres estranhos. Mas, por alguma razão desconhecida, resolveu ir. A amiga estava lá e lhe ajudaria a fugir depois.
Entrou. Ele a viu imediatamente e veio ao encontro dela, mancando. Era torto, andava se jogando para a frente ou para o lado. Ele já andava daquela forma naquela época, era um desengonçado. Fingiu um sorriso radiante.
– Há quanto tempo, nossa!
Sempre que ela dizia “nossa” era porque não estava a fim de conversa.
Não conseguiu dar um abraço, não tinha saudade nenhuma, deu apenas dois beijos de praxe. Queria sumir. Mas era preciso aguardar.
Subiram para o café.
Contou os segundos da conversa, ele narrou a sequência de tragédias da sua vida. Tinha um emprego bom e adorava cozinhar pratos exóticos. Ela odiava tudo o que ele lhe apresentava; bife, batata frita e pizza era tudo o que ela mais gostava. Disse isso achando que ele iria se afastar para sempre, e o encontro-erro acabaria ali. Só que não. Ele se encantou e disse que ela tinha o paladar de uma criança de 10 anos.
Zero possibilidade de a conversa seguir para outro canto. Era o fim. Quando se levantaram, indo para o estacionamento, ele as acompanhou. Foi aí que ela viu o sapato. Nunca tinha visto nada mais feio. Era um sapato costurado à mão, marrom, quase desmanchando, parecia ter sido feito por ele. Dava a impressão de ter saído de um lamaçal. A calça larga e comprida, caída sobre o tal calçado era o gran finale de uma imagem que ela queria muito esquecer. Foi embora.
Quando chegou em casa, já tinha mensagem dele: “Obrigada pela conversa maravilhosa, vamos repetir. Mas desta vez eu escolho o lugar.”
A frase nunca foi respondida.
Não seria mais um erro (quase) às cegas.
Há erros que podem ser evitados.
Cartas queimadas dentro do banheiro
O ritual da infância aos domingos
A proteção disfarçada e o perigo evitado
A brincadeira de morrer na gangorra
Nunca houve um amor como aquele
Um lado escuridão, outro também