Uma mulher aceita ir a um encontro às cegas com um homem que não via há muitos anos. Ao chegar lá, percebe que cometeu um erro fatal.
Ela sabia que seria um erro. Um encontro quase às cegas… Fazia um tempo enorme que não o via. A possibilidade de o cara ter se tornado ainda mais estranho era imensa, mas, como ele insistiu ao ponto da exaustão, e tinham sido inúmeras as negativas, não conseguiu fugir da obrigação. Há pessoas que não sabem quando não devem insistir. Aquele era o caso.
Combinou de ir com a amiga, que entraria primeiro na livraria, o local escolhido. Ela teria que ir como uma sonda inspecionar o conteúdo da área e detectar o objeto estranho – no caso o homem. Ela iria depois, já sabendo o que esperar, dependendo da descrição da amiga. O plano perfeito.
A amiga entrou e não foram precisos mais de cinco minutos para dar de cara com o sujeito. Só poderia ser ele.
– E aí, viu alguém? – ela perguntou, no estacionamento em frente.
– Já vi. Ele está de blazer azul-marinho, tem barba, é alto, muito magro, uma bolsa a tiracolo…
– Sim. Só pode ser ele…
Ela assumia o erro fatal, desde as primeiras palavras descritivas: blazer azul. A combinação com a bolsa a tiracolo completava o desastre, pois o aspecto de fora era apenas uma parte – a menor – do que havia dentro: um homem confuso, perdido, insistente e cansativo.
– Pode dizer: é horrendo né?
– Ah, amiga… Ele é bem estranho sim.
Pensou em não entrar.
Não estava com a mínima disposição em travar contatos imediatos com seres estranhos. Mas, por alguma razão desconhecida, resolveu ir. A amiga estava lá e lhe ajudaria a fugir depois.
Entrou. Ele a viu imediatamente e veio ao encontro dela, mancando. Era torto, andava se jogando para a frente ou para o lado. Ele já andava daquela forma naquela época, era um desengonçado. Fingiu um sorriso radiante.
– Há quanto tempo, nossa!
Sempre que ela dizia “nossa” era porque não estava a fim de conversa.
Não conseguiu dar um abraço, não tinha saudade nenhuma, deu apenas dois beijos de praxe. Queria sumir. Mas era preciso aguardar.
Subiram para o café.
Contou os segundos da conversa, ele narrou a sequência de tragédias da sua vida. Tinha um emprego bom e adorava cozinhar pratos exóticos. Ela odiava tudo o que ele lhe apresentava; bife, batata frita e pizza era tudo o que ela mais gostava. Disse isso achando que ele iria se afastar para sempre, e o encontro-erro acabaria ali. Só que não. Ele se encantou e disse que ela tinha o paladar de uma criança de 10 anos.
Os minutos não passavam. Até que, finalmente, a livraria ia fechar.
Zero possibilidade de a conversa seguir para outro canto. Era o fim. Quando se levantaram, indo para o estacionamento, ele as acompanhou. Foi aí que ela viu o sapato. Nunca tinha visto nada mais feio. Era um sapato costurado à mão, marrom, quase desmanchando, parecia ter sido feito por ele. Dava a impressão de ter saído de um lamaçal. A calça larga e comprida, caída sobre o tal calçado era o gran finale de uma imagem que ela queria muito esquecer. Foi embora.
Quando chegou em casa, já tinha mensagem dele: “Obrigada pela conversa maravilhosa, vamos repetir. Mas desta vez eu escolho o lugar.”
A frase nunca foi respondida.
Não seria mais um erro (quase) às cegas.
Há erros que podem ser evitados.