Quanto mistério pode guardar uma cidadezinha do interior quase perdida no nada? É o que se pergunta em desespero a mãe do menino doente.
Na cidade, não havia luz elétrica. As ruas eram aquecidas por lampiões. O que nem sempre funcionava. O breu tomava conta das esquinas. Quem não era dali poderia facilmente se perder ou ficar dando voltas ao redor de si mesmo, caso não prestasse atenção aos mínimos detalhes que diferenciavam uma ruela da outra.
A mais escura delas se chamava Rua Encurvada Para Dentro. A cidade tinha algumas estranhezas. Quem aparecesse ali apressadamente e não tivesse olhos bons, poderia imaginar que era assombrada.
Há quem não perceba, porém, que existem assombros que não são avizinhados da sombra, mas da luz…
Naquele cenário, ocorreu que Dona Candinha, uma das senhoras mais alegres da cidade estranha, apareceu de preto, vestida de desespero. Coisa séria. O filho dela apresentava um problema muito grave nos rins e estava à beira da morte, na cama do mínimo hospital da cidade. Não havia mais recursos aos quais pudesse apelar. Ela era muito religiosa, mas não acreditava em nada que fugisse às leis de suas crenças.
As amigas rezavam em coro. A família já encomendava até a missa de sétimo dia de tão sem esperança na cura do menino…
No meio do imenso sofrimento, o choro fino e eterno tomando conta das madrugadas, eis que, de um dos becos escuros, apareceu uma senhora com um pote. Havia dentro um líquido levemente brilhante. Parecia um chá misterioso. E era. O curioso é que ninguém tinha ainda visto aquela senhora – como pode, uma cidade pequena onde todos conhecem todos?
A senhora vinha na direção da mãe sofredora. Ao chegar bem perto dela, disse:
– Esse chá seu filho vai tomar todos os dias até ficar bom.
– Não, não pode… Ele não aceita nada. Nem abre mais a boca. – A mãe tinha uma voz desfalecida, como se ela fosse embora com ele assim que os olhos do filho se fechassem.
– Vai pegar uma colherzinha de chá e colocar de pouquinho a pouquinho na boca do menino até ele reagir. Vai ficar bom logo. Depois volte para me agradecer. Eu moro naquela casa ali, ó. – E apontou os braços na direção da morada.
Mostrou uma casa bem estreita que parecia não existir. Era um filamento com uma porta tão pequena que talvez fosse preciso se abaixar para entrar.
A casa ficava justamente no beco mais escuro do vilarejo.
– Não se esqueça. Vou esperar.
E foi embora tão assombradamente quanto apareceu.
O pote ficou nas mãos da mãe em sofrimento, que correu para o hospital, embora não tivesse sequer energia para reabastecer a esperança.
Fez o que a misteriosa mulher pedira. E, de colherzinha em colherzinha, deu o chá levemente brilhante para o filho. Pouco a pouco, as mínimas reações de vida surgiram na face, nas mãos, no suor que voltou ao rosto. A mãe se fortalecia naquele esqueletinho de esperança. E não é que, em uma semana, o filho estava de pé novamente?
Claro que Dona Candinha não se esqueceu de ir atrás da mulher para agradecer, levar um pote de doce de ambrosia. Mas, ao chegar na rua, nem o lampião mais esperto do mundo daria conta de encontrar a casa perdida. Onde mesmo morava a senhora? A casa não estava mais ali!
O que Dona Candinha não podia imaginar era que talvez nunca, de fato, a casa estivera ali. E a Rua Encurvada para Dentro tinha produzido uma breve alucinação para os olhos desesperados de uma mãe. Dona Candinha, mesmo assim, não deixou de agradecer à senhora, agora invisível a olho nu. Ela poderia até não existir, mas existiu de verdade durante aqueles breves minutos em que lhe entregou o chá – isso bastava.
Ninguém na vila conseguiu solver o mistério.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora – autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)
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