Dona Zelinha se apega a um estilo de vida, que não é o dela, representado pelo imponente lustre em sua sala de visitas. Mas um dia ele cai.
Nem era rica, mas bem que se achava. Afinal, um lustre daquele tamanho e brilho na sala de visitas não era para qualquer um. O prédio de três andares e sem elevador, de escadarias cinza, que ficava em cima de uma pastelaria, não era lá o requinte que dona Zelinha sempre esperou da vida, mas, enfim, havia o lustre.
A sala não tinha amplidão; era estreita, e por ela o neto passava arrancando as cortinas e igualmente arrancando dela gritos exaustos:
– Neuza, tira esse menino da sala! – berrava para a filha, que fingia que o garoto não era insuportável. Cismava em atravessar a sala mil vezes por dia, bagunçando o que via pela frente. – Um dia, estou falando sério, ele vai derrubar essa cortina – vaticinava Dona Zelinha, cheia de sabedoria.
A sala era toda montada para o dia em que aparecessem visitas. Só que nunca havia visitas, porque Dona Zelinha não convidava ninguém. Dava trabalho ir até a pastelaria encomendar salgados, pedir refrigerante. Jamais iria oferecer às visitas café com leite e pão francês com manteiga derretida. Isso não combinava com o seu requinte.
Dona Zelinha tinha em seus guardados a teoria de que a vizinha da frente era uma pessoa muito invejosa. Não sabia explicar exatamente o que atraía os olhos gordos da outra. De nada valia a família dizer que era um exagero – “Imagine, ela tem a casa dela, os filhos dela, o marido dela, não há de ter tempo para invejar a senhora”. Não adiantava. Se alguém fosse convidado a se sentar na sala de visitas e usufruir do lustre (que era de vidro, mas até parecia cristal) não seria a vizinha. “Deus me livre de mal olhado”, repetia Zelinha com o peito arfante, pois era uma senhora forte, dona de seus narizes e certezas.
Até que um dia a vizinha surgiu de surpresa.
O neto, aquele insuportável, foi incumbido de sair pela porta dos fundos às pressas para buscar o salgado e o refrigerante na pastelaria.
A mulher sentou-se por duas horas ou um pouco mais no sofá de napa vermelha. Conversaram o trivial – coisa que poderia ter sido conversada na escada ou no corredor. A serventia daquela visita Dona Zelinha não encontrou.
O que aconteceu na sequência foi uma verdade incrível. Alguns segundos depois de a vizinha ir embora, tão logo finalizaram as eternas despedidas, o lustre invejado, amado, idolatrado, razão de existir daquela sala imperial, simplesmente desabou de uma vez só, como se mãos invisíveis tivessem cortado pela raiz que o prendia no teto.
A sorte é que todos estavam a uma certa distância, ninguém ficou ferido. E o mistério: o lustre não se quebrou. Nenhum caco de vidro foi lançado contra ninguém. Foi um tombo intacto, planejado.
O mistério perdurou na família. A vizinha, claro, foi mantida a uma distância ainda maior, mesmo sendo vizinha de porta. Zelinha passou a sair em horas alternadas, controlando o desencontro. Um singelo “oi” poderia ser altamente contagioso.
O pior foi que, como dizem os especialistas em invejaria, um vidro se quebra quando uma energia ruim precisa sair de um lugar; explode em si mesmo em auto-aniquilamento. O mau presságio foi que nenhum vidro do lustre se quebrara… Zelinha carregou para seus infinitos a certeza de que a inveja da vizinha estava aprisionada para sempre naquela sua tão estimada sala de visitas.
Não havia mais o que fazer para que o mau agouro saísse dali, a não ser que uma força oculta fizesse o lustre se quebrar. A energia ruim só sai quando o vidro se quebra naturalmente – não adianta quebrar na marra. Zelinha não suportaria ver o lustre quebrado, mas, ao mesmo tempo, sabia que a sala de visitas estava para sempre, de alguma forma, marcada pela presença maligna da vizinha invejosa. Ela acreditava com força no poder daquele sentimento e, depois do episódio, mais do que nunca.
O fato é que a sala de visitas nunca mais recebeu ninguém. Nem mesmo o neto insuportável teve coragem de atravessá-la para arrancar-lhe as cortinas.
Zelinha acabou desistindo de pendurar o lustre de novo. Era muito luxo para uma pessoa só – melhor, talvez, ser um tanto mais simples, pensou em filosofia.
Por Claudia Nina
Jornalista e escritora, autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)