Isolar a criança das decisões e fatos vividos pela família não é uma boa estratégia para protegê-las. Nesta história, uns dias no acampamento provam isso.
Aos quase cinco anos e meio, ela iria “morar” em um acampamento. “Morar” era bem apropriado, porque Clarice ainda não entendia o transitório das coisas, e o tempo fragmentado, com horas, minutos e segundos, era uma noção que só com dificuldade ela aprenderia. Especialmente o tempo das brincadeiras e das festas. Por isso, antecipando o sentimento de que acampar seria fenomenal, ela acordou pronta para uma aventura eterna.
– Vamos morar na barraca! Oba!
E lá foram todos, Clarice, mãe e pai, para o camping.
A promessa de alegria intensa se confirmou. A barraca tinha amplos três quartos. Clarice andava lá dentro como se estivesse de fato visitando a nova morada. Não planejava mais sair dali. A área do parque era enorme, com lago de pesca, muito verde, espaço imenso para ela correr com o amigo Roberto – ninguém mais o via, era seu amigo imaginário. Um dia o pai resolveu descansar no banquinho da menina e foi surpreendido por um grito:
– Pai! Você está sentado em cima do Roberto!
A imaginação de Clarice era algo que merecia respeito.
Roberto foi obrigado a simpatizar com as novas amizades de Clarice, a Letícia e a Giovana. Foram dias imensos. Os pais não levaram nada a sério a ideia de que Clarice estava convicta de que a família havia se mudado para o camping. Como fariam para incluir a vida normal dentro de um acampamento, como escola e trabalho, isso era o de menos. Um detalhe.
Os pais não se prepararam para o dia em que teriam de falar a verdade: a de que precisariam desembrulhar a vida “provisória”.
Clarice seguiu sem saber, então, quando isso aconteceria.
Até que o dia chegou.
Os pais acordaram e começaram a recolher os apetrechos e a desmontar a barraca. Clarice brincava ao redor com Roberto. Quando ela entendeu a movimentação dos pais e percebeu que não ficariam ali para sempre foi um desespero de proporções inimagináveis.
– Vocês estão desmanchando a nossa casa!!!
Clarice chorava tanto que chegava a engolir o soluço.
Ela repetia com uma tristeza infinita as palavras “casa” e “desmanchar”.
Os pais ficaram sem reação diante do inesperado. Mas, antes de observarem no comportamento da menina um excesso de mimo ou exagero, eles entenderam o próprio erro: aquela barraca, para onde a menina se “mudara” de fato, era um lugar de afeto.
Para onde quer que ela fosse com os pais, ali seria sua morada.
E ainda: os pais perceberam que a operação desmonte deveria ter sido avisada, anunciada, preparada. Desmanchar a casa de alguém é coisa muito séria.
Clarice foi embora aos prantos. Não queria voltar para a realidade. Nem Roberto conseguiu fazer com que ela se acalmasse. Despediu-se chorando das amigas que ficariam mais alguns dias. Despediu-se do pedaço de chão que durante aquele tempo abrigou seus pés e serviu de cenário para as brincadeiras.
Por toda a vida, ela levaria a lição de que tudo acaba. E o que parece mais real, incrível e verdadeiro pode ser desmanchado a qualquer momento.
Viver é de uma crueldade…
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora, autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)