Nem sempre uma declaração de amor é recebida com a emoção que o declarante espera. Nem sempre, ela é desejada. É o que retrata a história de Clarice.
Aos 15 anos, ganhou a primeira declaração de amor com todas as letras e notas musicais. O colega do inglês, dono da melhor sorveteria, costumava tocar violão depois das aulas, no começo da noite. De repente, no meio do nada, a turma reunida, ele começou a cantar o refrão “Te amo espanhola”, olhando para ela. O inesperado fez com que ela não tivesse outra reação senão olhar de volta – vinha de outra cidade, a roda de um violão era novidade. Gostou mais da música, do violão e da ideia da declaração do que propriamente da declaração em si.
Ouviu só até quase o fim da música. Decidiu se levantar e ir embora antes que acabasse, temendo que o garoto fosse atrás para dizer alguma coisa que ela não estava muito disposta a ouvir. Ele tinha óculos de garrafa, para os quais naquela época ela não estava preparada, e a linda voz não compensava o fato de que a mesma voz não sabia conversar.
E desde sempre ela gostava de conversar.
Levantou-se devagar, mas nenhum levantamento de corpo naquela situação seria disfarçado, e todos os colegas olharam para ela ao mesmo tempo. O garoto interrompeu a música e, violão em punho, foi atrás dela… Era fim de semestre, o que significava que havia férias no dia seguinte. Não se veriam até março do próximo ano – ou talvez nunca, se um dos dois desistisse do inglês.
– Ei, gostou da música? Fica mais um pouco, quero te mostrar uma que fiz para você.
Outra declaração-relâmpago. Ela até que gostou, mas realmente não podia ficar. Tinha que ir embora.
– Não posso. Já está tarde, fiquei de voltar para a casa logo depois da aula.
Não houve mais o que dizer depois. Nenhum abraço selou a despedida.
– Tchau então.
– Tchau.
Saiu dali com a firme certeza de que fora muito ríspida e que talvez ele tivesse ficado magoado. Mas não sabia fingir sentimentos que não tinha.
Quando o gostar era quase um nada, não havia como fazer enxertos.
Ele se esqueceria dela em breve. O tempo faria o acerto.
Só que a noite trouxe outra surpresa-relâmpago. De repente, quando ela já estava quase pronta para dormir, ouviu uma movimentação em frente à sua janela, que era de frente para a rua. Sons, instrumentos, a voz…
Não é que o garoto se juntara a outros dois e começaram uma serenata?
A família em peso apareceu, e foi um desastre vergonhoso demais – odiou ser o centro daquela atenção. Detestou que o rapaz tivesse descoberto onde ela morava (uma invasão!) e que tivesse desobedecido a sua ordem sutil de desaparecimento. Se ela não ficou para ouvir a música que ele fizera e não quis combinar nenhum outro momento para ouvi-la, isso significava que não estava disposta a ser musicada por ele.
A situação ficou ainda pior: o porteiro interfonou.
– Um rapaz chamado Guilherme pede para a Clarice descer.
Não! Que ousadia, pensou.
Imediatamente, pediu para a mãe mentir que já estava dormindo. Feito.
Só que ela não resistiu e foi olhar pela janela o tamanho do estrago. Viu quando ele e os amigos recolheram os instrumentos e deram as costas para a janela. Mas, antes do meio do caminho da partida, o garoto resolveu olhar para trás e para cima e deu de cara com a menina espiando pela fresta da cortina.
A mentira revelada.
Ela teve vergonha por ter mentido e pena por ele ter descoberto. Nenhum destes sentimentos, porém, foi mais forte do que o não desejo de ouvir a serenata.
Nunca mais soube do rapaz. Ela não teve mais coragem de voltar à sorveteria, o que era uma pena. A melhor da cidade.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora, autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)