Escrever equipa a pessoa com uma poderosa ferramenta: a empatia e a capacidade de lidar com os próprios sentimentos. É o que conta a história da menina e o pipoqueiro.
Talvez a atenção máxima que dava às coisas ao redor da sala de aula fosse uma forma de estudar o mundo e as pessoas. As matérias em si eram algo de segunda – terceira ou quarta – ordem de relevância. E por “ao redor” entendia-se o recreio e tudo o que girava em torno dele: o pátio, os brinquedos, a cantina e o pipoqueiro, que estacionava a carrocinha bem em frente da entrada principal do colégio. Como não tinha autorização dos pais para ir além do pipoqueiro, aquele limite era explorado como uma aventura.
Ia todos os dias comprar pipoca, mesmo sem vontade de comer.
Mas, além da pequena liberdade degustada, havia outro motivo para tanto interesse. A menina observava o pipoqueiro, que devia ter idade para ser avô dela, com uma piedade com a qual não sabia lidar. Olhava o rosto vincado daquele homem, imaginando se a quantidade de pessoas que compravam pipoca todos os dias daria dinheiro suficiente para ele. (Não sabia o que seria “dinheiro suficiente”.) E tentava uma matemática particular, contando quantos saquinhos seriam vendidos só na hora em que estava na fila. Então multiplicava esse tanto pelo número de horas que talvez ele ficasse ali vendendo. Enfim, era um exercício que valia por três aulas de matemática em um dia de chuva.
Quando chegava a sua vez, ela estendia o dinheiro no desejo de que aquele tanto fosse mais do que era.
E de fato talvez fosse, porque ela queria muito que sua participação na féria do dia fosse realmente importante para que o velhinho da pipoca voltasse para casa mais feliz. Ela montava na cabeça o trajeto de volta que ele fazia. Um dia, quando o viu carregando nas costas a carrocinha, não acreditou. Nunca tinha pensado em como aquele trambolho aparecia no lugar de sempre. Só depois, quando percebeu o tamanho do esforço do homem, pensou em como era sofrida a vida dele. Até porque o colégio ficava em uma ladeira. Percebeu que nenhuma outra criança esboçava preocupação.
Só ela?
Chegava em casa e escrevia suas aulas de observação de pessoas. Sempre que conseguia escrever exatamente o que sentia, a dor da piedade melhorava um pouco. E, depois de grande, pensaria: escrever talvez fosse uma forma covarde de se livrar dos outros.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora, autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)