O pavor de barata o impediu de matar o inseto, como pediu a irmã. A consequência foi um castigo que, mesmo adulto, ele não podia entender.
Claudia Nina | 5 de Setembro de 2021 às 10:00
Ele tinha 17 anos e dormia o sono dos adolescentes justos e exaustos. Morava com a irmã, que, no quarto ao lado, tentava igualmente dormir em paz. Só que, por obra e graça do destino, quis o azar que uma barata voadora entrasse pela sua janela adentro. As asas ruflaram causando pânico na menina, um pouco mais nova. Em desespero alucinado, ela saiu berrando como se a barata fosse um morcego gigante pronto para dar-lhe um abraço de morte. Acordou o irmão que teria como obrigação moral matar o bicho, afinal, era o homem da casa.
O garoto despertou com a irmã berrando. Teve a certeza de que o mundo havia acabado sem que ele tivesse conseguido ver seu time campeão.
– Mata! Mata! – a irmã dizia, sem condições de nomear o bicho.
– O quê? – perguntou o rapaz, sem a menor ideia do que era para fazer.
Quando ele viu a barata voando pela casa, entendeu: estava sendo convocado a matar a voadora. Mas, em vez de se colocar em prontidão para realizar a força-tarefa, enfurnou-se debaixo das cobertas e disse:
A irmã não iria continuar respirando com o bicho dentro de casa e era tarde. Resolveu acionar o pai e pedir ajuda, já que o irmão não prestava para nada.
O pai, que morava em outra casa desde que se casou novamente, chegou, espancou a barata até o suspiro final. Depois, resolveu tomar outra atitude que julgou digna: fez o rapaz sair de casa, em plena madrugada, sozinho, de pijama, para que aprendesse “a ter coragem”.
Ele foi, meio sonâmbulo, entortando as pernas. Antes, porém, pediu o travesseiro. Não sabia onde passaria a noite, mas pelo menos a cabeça estaria pousada com algum conforto, mesmo ao relento. Nunca na vida teve condição de encarar uma barata frente a frente. Por toda a vida tentaria entender como a lição de coragem seria aprendida com o ato de covardia do pai, expulsando na madrugada um menino que se recusou a matar uma voadora.
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