A menina sem amigos na escola procura maneiras de disfarçar sua solidão no recreio, hora em que a formação de grupos se torna mais evidente.
Claudia Nina | 23 de Maio de 2021 às 10:00
Ninguém nunca imaginaria o quanto ela se sentia sozinha naquele pátio gigante. Nem o quanto era difícil fazer amizade com quem morava antes do túnel e tinha outros assuntos. O que tinha para contar não parecia interessante, porque nunca estava em grupo, especialmente quando estar em grupo era crucial: na hora do recreio. Espalhava-se pelo pátio de cabeça baixa para nenhum olhar perceber que ela estava deslocada do bando, como um pássaro que machuca a asa.
Se isso acontecia, de crisparem os olhares, ela tremia de medo, pois logo o abandono seria descoberto. Ela queria passar a imagem de que estava muito bem sozinha, era uma escolha.
Até que, de tanto andar de cabeça baixa, ganhou uma dor no pescoço que virou crônica. Então percebeu que não poderia mais andar de olho nas minhocas e era tempo de inventar outra estratégia. Teve uma ideia.
Como a fila da cantina era sempre grande, decidiu que todos os dias ficaria ali, cravada até que o tão esperado sinal tocasse e ela não precisaria mais disfarçar a solidão. Todo o dia o lanche era o mesmo porque a cantina da escola era cara: pão quente (com manteiga derretida) e água. Ela adorava aquele pão.
Se por acaso a fila andasse rápido, fingia que não tinha decidido ainda o que ia querer, e isso aumentava alguns décimos de segundo o tempo da compra. O tempo restante ela comia em pé mesmo, andando de volta para a sala. Se ela se sentasse em um banco para comer sozinha no recreio, aí estaria para sempre marcada como “a garota esquisita sozinha no recreio”.
Quando estava no caminho de volta para a sala, uma garota que morava antes do túnel e era daquelas cheias de amigas falantes e sorridentes, chegou perto dela e disse:
– Você fica muito bem de cabelo preso. Aparece mais seu rosto, que é lindo.
Disse isso e foi embora, juntou-se ao grupo falante e sorridente.
O que a garota não sabia era que aquele elogio tinha sido o ponto de uma curva para cima. Ela não tinha um grupo e provavelmente continuaria por um bom tempo disfarçando a solidão no recreio. Mas aprendeu que ficava bem de cabelo preso, com o penteado que tinha feito em casa. Isso não era pouco.
Cartas queimadas dentro do banheiro
O ritual da janela herdado
A excursão sem nenhum sentido
A menina esperta e a carona perigosa
O desmoronamento do homem lindo
Um lado escuridão, outro também